21 de jul. de 2010

USO DO CARTÃO TRAÇA PERFIL DO CONSUMIDOR PARA BANCOS E EMPRESAS DE VAREJO

Ao usar o cartão, seja ele de crédito, débito ou de alguma rede comercial, para efetuar um pagamento, o consumidor está deixando ali uma indicação de seu perfil, que, somada a outras compras, traça um raio x completo de seus hábitos – informação que vale ouro para empresas que desejam empurrar mercadorias e produtos para ele. Para quem vende, o nome disso é inteligência analítica (IA). Para aqueles que têm os dados manipulados, uma analogia plausível pode ser encontrada no livro 1984, de George Orwell. O escritor inglês descreve na ficção publicada há mais de 60 anos um vislumbre do mundo no ano do título do livro. Na obra, há o controle total da sociedade pelo partido do Grande Irmão – em inglês, Big Brother. Daí a inspiração para os programas televisivos em que candidatos se sujeitam à exposição da privacidade.

“Muitas vezes, o consumidor nem percebe”, afirma o diretor executivo da consultoria DNMCA, Lysandro Trota, demonstrando a sutileza do processo. Trota explica que existem centenas de modalidades para usar as informações dos cartões. “Se um banco quer vender mais cartões, ele precisa saber qual cliente está mais propenso a aceitar a oferta. Conhecendo o comportamento de compra, é mais simples oferecer diretamente para aqueles que têm maior probabilidade de concordar”, afirma. O consultor esclarece que inteligência analítica é um conceito elaborado e que o papel da consultoria é transformar os dados que uma empresa captura em informação, adicionando valor.

Mercado

O foco está em um mercado promissor. De acordo com dados da Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs), a estimativa é de que, até o fim do ano, o país tenha 628 milhões de cartões. O número é assustador – cerca de 3,3 por pessoa, considerando todos os brasileiros –, mas compreensível, pois envolve os cartões de crédito (153 milhões), débito (249,3 milhões) e os diversos de redes e lojas (225,3 milhões). Nos últimos 10 anos, esse mercado avançou 430%.

Trota cita o exemplo dos cartões de fidelidade em redes de supermercado, já implementados pela consultoria em uma cadeia do Chile. Lá, quando a pessoa faz o cadastro, ela tem que deixar alguns dados. Dessa forma, o supermercado pode oferecer descontos, presentes no aniversário e até ir mais longe. “Se toda semana alguém compra determinado produto e um dia esquece, o vendedor recebe essa mensagem na tela do computador e pode dizer: ‘Hoje você se esqueceu de levar seu creme de barbear. Quer que algum funcionário busque para o senhor?.’”

A consultoria atua em 18 países e, segundo o executivo, negocia contratos no mercado brasileiro. Para o Banamex, na América Central, fez um trabalho com as informações dos clientes para auxiliar o banco a entender o perfil dos correntistas no pós-crise do ano passado. Para o Banco Safra, no México, criou uma base de dados para compreender os clientes que financiam automóveis, com o objetivo de aumentar o consumo. Já no banco Mercantil, da Venezuela, usou a base dos cartões de crédito para propaganda da compra de seguro de carros.

A pergunta inevitável – e oportuna – é: qual o limite da privacidade? “Nunca chegamos até a pessoa. Podemos reduzir os dados até grupos pequenos, mas não podemos chegar a individualizar”, justifica Trota. O diretor da consultoria acredita que se aprofundar nessa questão levaria “a uma discussão filosófica”.

Se é uma questão que mora na filosofia ou não, o fato é que uma pesquisa recente da Unisys – empresa de tecnologia de informação – revelou que 84% dos brasileiros estão preocupados com a forma como outras pessoas usam as informações do seu cartão de crédito e débito. A pesquisa foi feita para o Índice de Segurança Unisys para o Brasil, que está na sexta edição e é feito desde 2007. Na última edição, o índice de preocupação foi de 64%.

Embaixo do colchão

A funcionária pública Maria José Veras não está preocupada com a questão. Na verdade, se delicia com as promoções que o cartão oferece. “Gosto e aproveito muito. Não vejo problema nenhum, pois eles não fornecem isso para outros”, acredita. A arquiteta Laura Rennó faz coro com ela. “Faz parte do jogo. Quem não quer se expor que guarde o dinheiro embaixo do colchão”, diz.

Não somente as diversas modalidades de cartões, detentoras de valiosas informações de hábitos de consumo, estão de olho nesse mercado da inteligência analítica. Trota diz que as redes do varejo também estão crescendo o olho nesse filão, principalmente depois das grandes fusões no setor, que deram um tom corporativo para o segmento. “O varejo está acompanhando isso. Eles querem ser grandes como os bancos e telecomunicações. Estavam dentro de um modo de negócio familiar e, de repente, viraram gigantes que precisam crescer”, afirma.

O passo a passo do processo é bem analítico. O primeiro passo é organizar as informações – se necessário, com softwares. Na sequência, vem a projeção de cenários. A sofisticação é fruto de modelos matemáticos e muita organização já usada em empresas como o Grupo Ramos, da República Dominicana, e a imensa loja de departamentos Falabela, do Chile.

(jornal Estado de Minas 30/05/2010 - Daniel Camargos)

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