21 de jul. de 2010

MOEDA LOCAL AJUDA A ESTIMULAR COMÉRCIO EM COMUNIDADES

Fazer o básico. Conceder crédito e estimular o desenvolvimento de uma comunidade. Esse é objetivo dos bancos comunitários, criados em geral por iniciativa de associações de moradores que tentam impulsionar a geração de renda nas periferias. O Brasil contabiliza hoje 51 desses bancos, que já concederam mais de R$ 10 milhões em empréstimos desde 1998.

A premissa para esses bancos é de que não existe bairro pobre, já que uma parcela da população tem trabalho ou recebe benefícios. A ideia é fazer com que a renda dessas pessoas circule dentro da comunidade. "Não precisamos necessariamente trazer mais recursos para a comunidade, e sim garantir que os já existentes girem localmente", explica João Joaquim de Melo Neto, coordenador geral do Banco Palmas, que deu origem à rede de bancos comunitários.

Para fazer o dinheiro girar na comunidade, foram criadas as moedas sociais, batizadas com nomes que as identifiquem ao bairro. No caso do Banco Palma, o primeiro a ser criado, a moeda é a Palma, em alusão ao local em que está sediado, o conjunto habitacional Palmeira, na periferia .de Fortaleza (CE). As moedas sociais são lastreadas em reais, ou seja, dez palmas equivalem a R$ 10.

A utilização das moedas sociais existentes é estimulada. Em geral, o banco comunitário fecha convênios com o comércio local, que dá descontos no pagamento com moeda social.

Ela pode ser conseguida de duas formas: a troca por reais ou a tomada de um empréstimo. Não há incidência de juros. Apenas a cobrança de uma taxa administrativa de 1% em alguns casos. O pagamento é feito em até quatro vezes, mas pode ser ampliado em algumas comunidades. Existem R$ 250 mil em circulação em moedas sociais, sendo que R$ 46 mil somente em palmas.

Além do crédito para consumo, é possível também acessar o microcrédito produtivo, ou seja, destinado a um empreendimento econômico. As taxas de juros variam de 1% a 3% e o valor máximo pode chegar a R$ 10 mil em até 12 parcelas.

Para a liberação do recurso, é feita a consulta aos órgãos de proteção de crédito, mas também é realizada, na casa do cliente, uma avaliação sobre sua capacidade de pagamento. "A consulta ao SPC não elimina o crédito. Tem muita gente honesta com nome no SPC", diz Melo Neto.

Outro serviço prestado é o de correspondente bancário. "Você evita que o cidadão tenha um gasto para fazer um pagamento ou sacar dinheiro."

Crescimento

A expectativa é triplicar o número desses bancos. Para isso, a Secretaria Nacional de Economia Solidária (SNES) do Ministério do Trabalho abriu uma chamada pública para que novas entidades desenvolvam projetos de bancos comunitários e fundos sociais. Serão alocados R$ 14 milhões nas novas iniciativas. A metodologia adotada hoje pela rede existente será expandida, explica Antonio Haroldo Mendonça, coordenador-geral de Comércio Justo e Crédito da SNES. O gestor garante que esse é um modelo adequado e a prova disso é a baixa inadimplência, que não chega a 3%. "Se tivesse ocorrido má gestão ou falta de envolvimento da população, não haveria esse resultado", disse.

Os bancos comunitários não precisam de pré-autorização do Banco Central para funcionar, mas precisam fazer o comunicado sobre o início da operação. No final do ano passado, a SNES e o BC fecharam um acordo para estabelecer os parâmetros de funcionamento desses bancos. As primeiras notas técnicas devem sair até dezembro.

Banco em São Paulo tem R$ 5 mil para emprestar

Em geral, os bancos comunitários nascem como um complemento aos trabalhos sociais feitos por organizações não-governamentais. Foi assim que nasceu o Banco Sampaio, um dos projetos encabeçados pela União Popular de Mulheres, localizada no Jardim Maria Sampaio, Campo Limpo, bairro da periferia da capital paulista. `Ainda é um projeto muito novo. Estamos nos adequando às necessidades da população e divulgando o banco entre os que frequentam a União Popular", diz Rafael Mesquita, coordenador do banco comunitário, que completará um ano no final de junho.

O banco tem cerca de R$ 5 mil que podem ser acessados pela população. O baixo capital faz com que os limites de crédito sejam limitados, de no máximo R$ 300 para consumo e R$ 1.000 para microcrédito produtivo. Os prazos também são mais estreitos, de apenas seis meses. Ainda assim, Mesquita explica que esses recursos têm ajudado as pessoas do bairro. Como exemplo, ele cita uma moradora que fez um empréstimo para comprar roupas e revender e uma outra, que montou um pequeno estoque de tecidos para a sua oficina de cortinas, evitando idas ao centro da cidade para a compra de material, o que consumiria tempo e dinheiro.

O coordenador espera conseguir em breve uma parceria que amplie a quantidade de recursos disponíveis para aumentar os créditos concedidos. A oferta de outros serviços financeiros, como seguros de baixo ticket, também estão em estudo. "Mas, para isso, é necessário que seja um produto que atenda às necessidades da população, como uma proteção para as casas em caso de destelhamento em dias de chuva", exemplifica.

Para que um banco comunitário dê certo, é necessário ter envolvimento dos comerciantes. No caso do Banco Sampaio, há pouco mais de 20 que aceitam as moedas sociais. Um deles é o açougue de Silvestre Rodrigues de Oliveira, que diz ser mais vantajoso o uso da moeda do que o de cartões. "Com essas moedas, eu não preciso pagar os 4%r de tarifa", defende. São cinco os valores de cédulas: R$ 0,50, R$1, R$ 2, R$ 5 e R$10.

Para Oliveira, é bom para o comerciante a circulação dessas moedas. Ele explica que se o banco tivesse mais recursos para emprestar, a população poderia pegar crédito em vez de anotar a compra dá caderneta de fiados. "Tendo a moeda na mão ela não precisaria entrar no fiado e eu teria mais dinheiro para capital de giro", explica.

O comerciante chegou ao bairro na década de 60, mas lembra que o Maria Sampaio foi abandonado e deixou de crescer economicamente. Por isso, iniciativas para o desenvolvimento da comunidade são tão importantes. "Apesar de o bairro pertencer à capital, está isolado do mundo."

(jornal Brasil Econômico 29/05/2010 - Ana Paula Ribeiro)

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