24 de jul. de 2010

PAGAMENTO VIA CELULAR NÃO DECOLA

jornal Valor Econômico 14/06/2010 - Adriana Cotias
Com um ponto ao lado da casa paroquial em Aldeia da Serra, Barueri (SP), o taxista Nilson Lisboa, de 53 anos, é um símbolo de uma nova era no uso dos meios de pagamentos no Brasil. Ao receber o valor das corridas, aceita bandeiras tradicionais, como Visa e MasterCard, passando as transações nas maquininhas da cooperativa a que está associado, ou usa o celular para a cobrança. Ele digita o número do telefone do passageiro, a forma de pagamento, se débito ou crédito, e finaliza a operação com um código móvel capturado pelo cliente no aparelho dele. Numa fração de minuto, uma mensagem de texto confirma a transação.

A tecnologia usada por Lisboa é da novo e-pay, bandeira de crédito que vem dando os primeiros passos no segmento de "mobile payment" no país, somando-se a iniciativas como a da Oi Paggo, administradora de cartões da Oi, ou o Foneshop, desenvolvido pela Redecard, que transforma o celular em terminal de captura de transações. Só que há ainda certas resistências a vencer para essa tecnologia ser massificada e virar moeda corrente na ponta do consumo.

Depois de os bancos terem investido montanhas de dinheiro para construir uma malha de 150 mil correspondentes bancários, alcançado uma base de mais de 380 milhões de cartões de débito e crédito e as credenciadoras terem chegado a 1,6 milhão de lojistas, não há consenso sobre o celular como veículo de inclusão bancária, entendimento que poderia dar escala à modalidade.

"No Brasil, só de 30% a 35% da população tem conta em banco, enquanto a penetração do celular chega a 70%, 80% e essa poderia ser a via para atrair clientes sem acesso a serviços financeiros básicos", diz Joaquim Lima, representante de investimentos do International Finance Corporation (IFC), o braço privado do Banco Mundial. "Mas há o receio dos bancos de canibalizar os atuais canais de atendimento ou mesmo outros negócios."

À exceção do Japão, que usa largamente o pagamento via celular sem contato no transporte público e da Coreia, na última década, o pagamento móvel prosperou em economias onde era baixo o nível de bancarização da população, como em países da África e do Oriente Médio ou na Índia. No Brasil, que entre os emergentes é mercado com maior participação em transações eletrônicas no mundo, com uma fatia de 5% do bolo, o processo está mais atrasado.

Para Lima, enquanto os bancos passaram os últimos anos fortalecendo a sua infraestrutura tecnológica, as operadoras de celular estiveram às voltas com imbróglios societários. O próprio sistema financeiro nacional passou por um processos de consolidação e, mais recentemente, foram as adquirentes Cielo e Redecard que tiveram de dirigir esforços para a abertura do mercado, acrescenta o gerente-executivo da diretoria de cartões do Banco do Brasil, Raul Moreira.

Em 2008, BB e Visa anunciaram o lançamento do Visa Mobile Pay, um serviço que permitiria aos portadores do Ourocard Visa fazer transações de débito e crédito pelo celular, inicialmente para vendas diretas e de "delivery". O projeto ainda não passou do piloto, embora a tecnologia já tenha sido testada. "O BB foi um dos primeiros, junto com a Cielo, a desenhar uma plataforma reconhecida mundialmente pela Visa, mas não tem como um único banco ter uma plataforma individual, com uma única bandeira e uma única adquirente, não faz sentido comercialmente."

Moreira conta, porém, que no início do ano a Febraban, a entidade que representa os bancos, e a Abecs, que reúne as empresas de cartões, criaram um comitê para discutir um modelo de negócio e de integração, chamando as empresas de telefonia móvel para a conversa. "Até pouco tempo havia dúvidas se o mercado iria se unir às operadoras ou se elas tentariam fazer sozinhas o que os bancos fazem. Hoje estamos em outra fase de maturidade." Para ele, há plena ciência dos bancos de que foram as operadoras, com os aparelhos pré-pagos, que conseguiram chegar de forma mais contundente às classes C, D e E. As estatísticas Anatel evidenciam isso: em abril, os acessos via pré-pagos chegaram a 148,9 milhões, 82,3% do total, com predominância no Norte (90,5%) e Nordeste (89,3%).

É na dinâmica da inclusão que a Oi apostou ao enveredar pelo negócio de cartões. A Oi Paggo tem uma estrutura similar à do Hipercard, reunindo as atividades de emissor, credenciadora e bandeira, com a diferença que todo o transacional se dá pelo celular. "Há uma parcela grande da população não bancarizada, a aceitação de cartão é restrita, a maior rede tem só 1,5 milhão de estabelecimentos e o correspondente é basicamente usado para pagamento de contas", diz o diretor-geral da Oi Paggo, Roberto Ritte. "O celular é o jeito com que a população de baixa renda está acostumada a interagir para gerenciar a conta pré-paga e a interação pode ocorrer da mesma forma com os serviços bancários."

Com 75 mil estabelecimentos credenciados e 250 mil usuários cadastrados ao Oi Paggo nos 21 municípios em que a Oi está presente, Ritte diz que essa é uma trajetória que pode até ser trilhada sem banco, mas reconhece que para a massificação do serviço seria necessário ter associação com outros players da indústria financeira e da área de telecomunicações.

Após o país ter fortalecido a malha de correspondentes e os esquemas de cartões, não há, entretanto, sentido econômico em se investir maciçamente em outro tipo de infraestrutura, pontua o diretor da Bradesco Cartões, Marcelo Noronha. "Não é o 'mobile payment' que vai bancarizar o Brasil, embora pagamento móvel e bancarização não sejam mutuamente excludentes", diz. O executivo não vê o celular como um meio que canibaliza a rede física e enxerga os serviços como complementares. "O 'mobile' soma, é um esforço adicional, mas não muda a curva de bancarização."

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