21 de jul. de 2010

CRÉDITO SEM JURO NO CARTÃO DISTORCE MERCADO

Nos três primeiros meses do ano, foram concedidos R$ 91,1 bilhões em crédito ao consumidor por meio do cartão de crédito. O volume é 25% maior do que no mesmo período do ano passado, mas ainda pequeno se comparado a países desenvolvidos, em parte por conta dos salgados juros cobrados. Esses juros altos no crédito rotativo são causados, principalmente, por uma ferramenta que foi adotada no início da história do cartão no Brasil para estimular o uso do plástico: o "grace period" (em tradução livre, período de graça), que são os cerca de 30 dias que o portador do cartão tem para pagar a conta depois da compra, dependendo do dia da aquisição e do fechamento da fatura do cartão.

Dos R$ 91,1 bilhões de crédito concedido no cartão, 70% se encontram na modalidade de grace period, ou seja, crédito sobre o qual o emissor do cartão não tem receita de juros. Esse volume vem crescendo a cada ano. Os outros 30% se referem aos juros do crédito rotativo ou do juros do parcelamento da conta. "Para o banco, isso causa uma distorção, pois ele paga o valor da compra para o lojista sem a garantia de que vai receber do portador do cartão", explica Boanerges Ramos Freire, da Boanerges & Cia Consultoria em Varejo Financeiro, que consolidou os números a partir de dados do Banco Central.

Acontece que nessa parcela também há inadimplência. Os bancos compensam o risco de 100% do crédito dado no cartão em apenas 30% do volume concedido, segundo Boanerges. "Por isso, os juros do rotativo são tão altos", diz. Levantamento feito pela consultoria, mostra que a média do juros no rotativo é de 9,1% ao mês. A taxa mais baixa encontrada no mercado foi de 3,2% e a mais alta, de 15%. No parcelado, os juros médios cobrados são de 6%, variando de 2,9% a 11% ao mês.

Nos Estados Unidos, a forma de cobrança é diferente. O cliente também tem, em média, 30 dias para pagar. Mas isso somente se ele quitar o total da fatura. Caso contrário, ele paga juros desde o primeiro dia após a compra. Em uma análise hipotética, Boanerges fez a conta de quanto seria o juro no cartão se fosse cobrado de todos os usuários: a média ponderada do grupo de juros (rotativo mais parcelado), que é de 8,9% ao mês, dividida pelo saldo de crédito em aberto no cartão, daria uma taxa de juro de 2,7%.

A taxa de inadimplência registrada no cartão no primeiro trimestre foi de 7,3%, contra 9,3% no mesmo período do ano passado - pico mais alto dos últimos três anos -, reflexo da crise econômica. São R$ 6,7 bilhões em atraso superior a 90 dias.

"Como resolver essa distorção é uma boa questão. Agora, estamos em uma rodada de mudanças na área de credenciamento de cartões, que está se abrindo. Uma outra frente é a regulação das taxas de serviços cobradas no cartão, que o governo está fazendo agora", comenta o consultor. Como os juros são livres no Brasil, a saída terá de vir pelo mercado.

Entre os instrumentos de concessão de crédito livre, o plástico fica na terceira posição, com 19% dos R$ 487 bilhões de crédito concedido à pessoa física no primeiro trimestre, atrás do crédito consignado (24%) e do financiamento de veículos (21%).

Setor é um dos líderes em reclamações no Procon

Entre os assuntos mais demandados no Procon-SP (Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor de São Paulo), no topo da lista aparecem as empresas de telefonia fixa, seguidas de bancos e, na terceira posição, os cartões de crédito.

O fenômeno da chegada do cartão de crédito às classes C e D foi sentido nos órgãos de defesa do consumidor. Com mais gente com o dinheiro de plástico na mão, não só mais dúvidas e problemas chegam a esses órgãos, mas também novos tipos de incertezas. "Muitos não sabem ler a fatura", afirma Valéria Cunha, assistente de Direção do Procon-SP. "E isso não acontece só entre os novos usuários, mas com pessoas de boa instrução", comenta. Isso é causado em grande parte porque as nomenclaturas das taxas cobradas e os termos usados nas faturas não são padronizados.

Cada emissor de cartão usa um nome. O Ministério da Justiça anunciou, recentemente, que o governo irá regulamentar as taxas de serviços cobradas no cartão, assim como já foi feito com as taxas bancárias. Segundo Valéria, com a regulação, também virá a padronização dos nomes das taxas, o que tornará mais fácil a comparação de custos entre os cartões. Neste ano, foram registrados 7.426 atendimentos relativos a cartões nos Procons de SP. Destes, a maior parte é sobre a cobrança indevida: o lançamento, nas faturas, de serviços e produtos não solicitados pelo cliente, como seguros, títulos de capitalização e até planos odontológicos. Outras práticas abusivas são a cobrança de emissão de fatura e de tarifa de excedente de limite no cartão.

O segundo maior problema são os contratos de cartões, que muitas vezes não são enviados ao cliente.

(jornal Brasil Econômico 21/05/2010 - Thais Folego)

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