jornal O Estado de S. Paulo 20/02/2012 – Marina Gazzoni
O sonho do executivo Eduardo Gouveia é transformar o
brasileiro em um maníaco por pontos. Ele próprio deu o primeiro passo e mudou
seus hábitos pessoais quando assumiu a presidência da Multiplus em maio de
2010, uma rede de fidelização criada pela TAM quatro meses antes. Trocou a
operadora de TV a cabo e telefonia móvel por assinaturas da Sky e da 0i,
parceiros da Multiplus. Só abastece no posto Ipiranga, conveniado à empresa, e
paga no cartão de crédito para acumular ainda mais pontos. Pelo celular novo,
não gastou nada. Comprou no site do Ponto Frio e pagou com pontos da Multiplus.
"Só compro em lugares que me dão pontos", diz.
Despertar essa obsessão por pontos é a chave do negócio da
Multiplus, uma empresa que faturou R$ 1,4 bilhão em 2011, 165% a mais do que em
2010. A empresa nasceu com a missão de ser uma rede de fidelização, ou seja,
permitir que o cliente reúna em uma única conta pontos que conquistou ao
comprar passagem aérea, gastar no cartão de crédito ou assinar uma revista.
"Se o cliente participar de vários programas de
fidelidade, ele dificilmente conseguirá reunir pontos necessários para trocar
prêmios em todos eles. Se ele juntar os pontos em um único lugar, eles passam a
ter mais relevância", disse Gouveia.
O maior acionista da Multiplus é a TAM (com 73% das ações),
que também é a principal parceira comercial. A grande sacada da companhia aérea
foi perceber que os pontos do seu programa de fidelidade tinham valor para o
cliente e poderiam ser a base de um negócio maior e independente.
O desempenho da empresa na bolsa aponta que a TAM estava
certa. Com dois anos de operação, o valor de mercado da Multiplus saiu de R$
1,88 bilhão para R$ 5,5 bilhões — enquanto a TAM vale R$ 6,4 bilhões e a Gol,
R$ 4,2 bilhões. A empresa encerrou 2011 com 9,4 milhões de clientes
cadastrados, 17% a mais do que no ano anterior.
"A Multiplus está ligada a três segmentos da economia
que cresceram muito: cartão de crédito, passagem aérea e consumo", disse
Gouveia, que uniu sua experiência como ex-executivo da Cielo e do Walmart ao de
profissionais da TAM para desenvolver a Multiplus.
Apesar de ter uma gestão independente, a Multiplus é um
grande trunfo para a companhia aérea em um momento de incertezas no setor. Em
um ano em que a TAM teve prejuízo líquido de R$ 335 milhões, a receita com
troca de pontos da Multiplus por passagens aéreas cresceu 159% e rendeu à
companhia aérea R$ 1,1 bilhão. O custo da venda de passagem por pontos é
pequeno, já que essa opção é oferecida em voos menos concorridos ou comprados
com antecedência.
A negociação TAM-Multiplus é superavitária para a TAM. O
motivo é que 97% dos pontos resgatados são trocados por passagens aéreas.
Assim, a TAM pagou R$ 203 milhões para transformar as milhas dos clientes que
viajaram nos seus voos em pontos Multiplus. Mas recebeu mais da Multiplus pelos
clientes que trocaram pontos por passagens e ficou com um saldo de cerca de R$
625 milhões.
A mesma situação não ocorre com outros parceiros. Hoje, o
comportamento típico do consumidor é acumular pontos em várias empresas e
trocar por passagem aérea. “A situação de acúmulo e troca não deve
necessariamente ser equilibrada. Temos parceiros, como os bancos, que só
oferecem a opção de acúmulo de pontos”, diz Gouveia.
Fazer uma parceria com a Multiplus é antes de tudo uma
estratégia de marketing e fidelização de clientes, na opinião do professor do
Núcleo de Ciências do Consumo Aplicadas da ESPM Fábio Mariano Borges. "O
investimento para comprar os pontos entra na verba de marketing. A empresa quer
dar ao cliente um `presente' para ele preferir comprar dela do que da
concorrência", afirmou.
Para Borges, a estratégia surte efeito. "Em setores
como o varejo online, onde os produtos, preços e condições de compra são
parecidos, a oferta de pontos pode influenciar na decisão de compra",
disse.
Um dos maiores desafios da Multiplus é mostrar para o
cliente que ele pode usar pontos para comprar outros produtos – não só
passagens aéreas. Hoje, a Multiplus possui 190 empresas credenciadas, mas o
cliente só pode resgatar e acumular prêmios, ao mesmo tempo, em 26 delas.
Muitos não sabem disso e enxergam o Multiplus com o programa
de fidelidade da TAM. "Ainda estamos no começo desse negócio. Aos poucos,
as pessoas vão perceber todo o potencial da rede", acredita Gouveia.
A presença de parceiros fortes no segmento de consumo é a
chave para conseguir avançar nesse processo. Para Gouveia, a Multiplus ainda
precisa fechar parcerias com uma rede de supermercados, uma montadora, uma rede
de academias e de universidades. As negociações estão em curso e devem ser
anunciadas neste ano. "O que pesa mais para escolher o parceiro é a
importância que a empresa dá para a fidelização de clientes. Não vamos escolher
necessariamente a maior empresa do setor", disse o presidente da
Multiplus.
Pontos vencidos. O segredo para a rápida valorização da
Multiplus na bolsa é um modelo de negócios de baixíssimo custo e um fluxo de
caixa invejável. Cada vez que uma pessoa ganha um ponto, a empresa parceira faz
um depósito para a Multiplus. Como os pontos têm validade de dois anos, muitos
clientes não fazem as trocas imediatamente, o que gera um fluxo de caixa
positivo. "E um negócio altamente gerador de caixa, o que é bem visto pelo
acionista", afirma o analista do HSBC, Luciano Campos.
Mas boa parte da receita da Multiplus vem de pontos
"esquecidos” pelos usuários da rede. Em 2011, a e,presa ganhou R$ 318
milhões com pontos vencidos. O montante representa em média 24% do total.
"Esse é o dilema da Multiplus. Se ela diminuir essa
taxa, ela perde margem. Mas, por outro lado, ela tem que estimular os
participantes a usar os pontos para ter mais volume", disse o chefe da
área de análise do Bradesco, Carlos Firetti.
A expectativa de Gouveia é que o índice de pontos vencidos
seja reduzido gradativamente. Isso acontecerá à medida que os clientes
compreenderem melhor os benefícios oferecidos pelo programa, o que fará com que
eles zelem mais pelos seus pontos. A perda da receita "quase
gratuita" será compensada com um volume maior de operações.
Futuro. Ainda não foi definido de que forma a fusão da
chilena LAN com a TAM influenciará o negócio. Uma possibilidade é que o
programa da LAN seja um parceiro da Multiplus. Outra é que seus participantes
sejam integrados à Multiplus. "Ainda não temos um modelo definido, mas
entendemos que é uma ótima oportunidade de levar o modelo da Multiplus para a
América do Sul", disse Gouveia.
Por ora, a única parceira estrangeira da Multiplus é Aimia,
rede de fidelização canadense criada nos anos 80 pela Air Canada e que serviu
de inspiração para a TAM. Em 2011, elas anunciaram a criação de uma nova
empresa, que nasce para dar consultoria e administrar programas de fidelidade
para outras companhias. Muitas delas, é claro, podem se tornar parceiras da
Multiplus. Quem sabe, então, o sonho de Gouveia de criar os “maníacos por
pontos” vire realidade.
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