jornal Valor Econômico 05/03/2012 - Talita Moreira
Os celulares já são ferramentas de comunicação, acesso à
internet e entretenimento. Agora, também vão se fortalecer como pequenas
centrais de serviços financeiros.
Uma série de acordos firmados entre operadoras, fornecedores
de infraestrutura para telecomunicações e instituições financeiras dá mostras
de que o uso do telefone móvel como carteira - há muito vislumbrado pelo
mercado - começa finalmente a deslanchar. Esse foi um dos temas mais comentados
durante o Mobile World Congress, feira de telefonia móvel realizada na semana
passada em Barcelona.
Os planos são ambiciosos. "No curto prazo, queremos que
10% das nossas receitas na Ásia venham de serviços financeiros e estou
convencida de que vamos chegar lá", afirmou Kristin Skogen Lund,
vice-presidente-executiva da operadora norueguesa Telenor, que também tem
negócios no Leste Europeu e no mercado asiático.
Não é pouca coisa. Leve-se em conta que as operadoras de
telefonia móvel do mundo todo devem faturar US$ 1,1 trilhão neste ano (projeção
da consultoria Wireless Intelligence). Considere-se também que há cerca de 6
bilhões de celulares no planeta e apenas 1 bilhão de contas bancárias. Fica
fácil entender o interesse das empresas.
Companhias de perfis diversos se lançaram, nos últimos dias,
em uma espécie de corrida do ouro para conquistar um pedaço desse mercado em
ascensão.
Durante o Mobile World Congress, a operadora europeia
Vodafone anunciou acordo com a Visa para permitir que seus assinantes façam pagamentos
com o celular. A MTN, que atua no Oriente Médio e no Norte da África, fechou
parceria para usar os serviços de carteira móvel ("m-wallet")
desenvolvidos pela Ericsson. A Isis, joint venture entre as teles americanas
AT&T, Verizon e T-Mobile, firmou contrato com as instituições financeiras
Chase, Capital One e Barclaycard para que seus clientes possam usar cartões de
débito, crédito e pré-pagos pelo celular.
A Visa e a Intel anunciaram parceria para desenvolver,
juntas, tecnologias de pagamentos móveis. A Western Union vai integrar sua rede
móvel de transferência de dinheiro com os sistemas de pagamento eletrônico da
Ericsson, permitindo que as teles ofereçam esse serviço a seus assinantes.
O Citibank anunciou, na feira de telefonia, que vai lançar
uma operação de pagamentos móveis no México em parceria com a América Móvil. Na
apresentação de Don Callahan, principal executivo de tecnologia do banco, o
Brasil aparecia como um dos países para os quais a parceria será estendida. A
América Móvil controla a Claro no Brasil. Procurada pelo Valor, a operadora não
comentou o assunto até o fechamento desta edição.
Esses são apenas alguns dos acordos relacionados ao tema que
foram divulgados durante o evento. A quantidade de anúncios deixa evidente que
o interesse das companhias mudou.
Tecnologias de pagamentos e serviços bancários por meio dos
celulares já existem há anos. Mas agora estão ganhando maior alcance. "Já
estamos nessa área há dez anos. No Japão, já se fazem pagamentos móveis desde
2005, mas agora as condições estão mudando", afirma Lars Arvidsson,
vice-presidente mundial de vendas m-commerce da Ericsson.
As redes de telefonia móvel estão mais potentes para
transmitir dados em alta velocidade. Os aparelhos estão mais sofisticados e
ganharam maior capacidade de processamento de informações. Paralelamente, o
surgimento de novas tecnologias impulsiona o mercado.
Dentre essas tecnologias, o grande destaque é o NFC (sigla
em inglês para comunicações de curto alcance). Trata-se de um sistema de
transmissão de dados sem fio que permite fazer pagamentos aproximando-se o
celular de um ponto de cobrança.
O modelo já está sendo usado, por exemplo, no metrô de Nova
York. Em vez de comprar um bilhete físico para usar o transporte, os
passageiros entram nas estações aproximando o celular de um leitor NFC
instalado nas catracas. Não é preciso inserir senha nem apertar botões.
Até hoje, boa parte dos sistemas de pagamentos móveis em
funcionamento no mundo depende da validação por meio de SMS (as mensagens de
texto dos celulares).
"O NFC vai ajudar muito. Já imaginou pegar um ônibus e
ter de mandar um SMS e esperar a resposta para pagar o bilhete?",
questiona Isaac Nsereko, diretor de marketing da MTN em Uganda. A operadora já
oferece sistemas de pagamentos móveis via SMS que são usados por 30% de sua
base de assinantes.
Curiosamente, a maior parte dos serviços financeiros via
celular está nos países emergentes. Nessas regiões, a dificuldade de acesso da
população aos bancos e a ampla presença dos celulares acabaram levando o
mercado a se desenvolver com maior rapidez.
Na MTN, os serviços financeiros já constituem um negócio
importante. Representam um acréscimo, em média, de US$ 3,5 na receita mensal
que cada assinante gera para a operadora.
Segundo Jean-Marie Letort, sócio da Greenwich Consulting, um
levantamento com usuários de "dinheiro móvel" em diversos países
mostra que pagamentos pelo celular tendem a ser mais populares que outros tipos
de transações. Cada usuário faz, em média, 1,5 pagamento por mês. Nas transações
bancárias, a proporção cai para 0,6.
"O que aprendemos nos últimos 18 meses é que não dá
para criar um serviço genérico. Cada mercado é muito particular", diz Andy
Chong, vice-presidente e principal executivo de marketing da Axiata, operadora
asiática que atua em mercados como Sri Lanka, Malásia, Indonésia e Índia.
"Existem oportunidades, mas o desafio é grande."
No Brasil, uma das barreiras a uma expansão mais rápida dos
serviços financeiros é de ordem regulatória. As operadoras não podem cobrar,
nas contas que mandam aos clientes, serviços que não estejam relacionados à
telefonia. Ao mesmo tempo, por norma do Banco Central, somente instituições
credenciadas podem prestar serviços financeiros.
O ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, afirma que vai
se reunir com o presidente do BC, Alexandre Tombini, no dia 13, para tratar do
assunto. Para o ministro, a questão pode ser resolvida se a movimentação
financeira via celular for atrelada a uma conta bancária. "Se nos
entendermos com o BC, a coisa anda mais rápido", diz.
Na avaliação de Bernardo, as operações financeiras por meio
dos telefones móveis podem ser a solução para incluir no sistema financeiro a
população de baixa renda que não tem acesso a bancos e os residentes em áreas
remotas. Como exemplo, citou o Quênia, onde 20 milhões de correntistas já fazem
movimentos bancários via celular.
A repórter viajou a convite da Qualcomm
Nenhum comentário:
Postar um comentário