portal Isto É Dinheiro 03/02/2012 - Fernanda Pressinott
Durante décadas, os caminhoneiros foram remunerados por seu
trabalho de uma maneira artesanal, ineficiente e cara. A forma de pagamento
eram as cartas-frete que foram proibidas pela Associação Nacional do Transporte
Terrestre (ANTT) no dia 23 de janeiro. Essa proibição – um pleito antigo dos
representantes da categoria – abre um mercado de R$ 90 bilhões para as
administradoras de cartão de crédito e para o sistema financeiro como um todo.
Era uma batalha do segmento que tentava formalizar cerca de 800 mil
caminhoneiros e retirá-los de uma situação de subserviência às transportadoras
e postos de combustível. A carta-frete é um papel assinado pela contratante –
uma transportadora – que representa o adiantamento das despesas do frete e o
pagamento do motorista.
Rubén Osta, diretor-geral da Visa: "A inserção no
mercado formal vai facillitar a vida do caminhoneiro
e permitir-lhe o acesso ao crédito"
Cabe ao autônomo conseguir trocar esse papel por dinheiro,
combustível ou por outro produto que será necessário ao longo da viagem. O
problema é que essa troca só pode ser realizada em um posto que aceite a
permuta – cobrando uma taxa de desconto elevada na maior parte das vezes. Esse
sistema não só era ineficiente como também injusto. “O caminhoneiro só poderia
abastecer em determinados locais, não podia procurar os melhores preços e tinha
de depender da boa vontade do posto para receber seu adiantamento”, diz Ricardo
Miranda, presidente da Pamcary, empresa que oferece soluções e meios de
pagamento em logística. Segundo a União Nacional dos Caminhoneiros do Brasil, o
deságio para o troco em dinheiro poderia chegar a 30% do pagamento total.
Miranda faz um cálculo mais modesto e estima o deságio em
15%, ainda assim uma conta salgada para o motorista. “A carta-frete
desmoralizava o caminhoneiro”, diz Miranda. Estudos jurídicos dos advogados
Ives Gandra Martins e Modesto Carvalhosa, de São Paulo, indicavam que a
carta-frete gerava uma situação de quase escravidão para os profissionais da
estrada. A resolução da ANTT define que, a partir de agora, os autônomos
deverão ser remunerados por meio de cartões pré-pagos ou pelo depósito na
conta-corrente. O não cumprimento dessa medida sujeita a transportadora a uma
multa equivalente a 100% do valor do frete, limitado a R$ 10.500. Com o fim da
carta-frete as administradoras de cartão querem uma fatia desse bolo apetitoso.
Visa, Mastercard e bandeiras menores já criaram seus produtos.
Alexandre Magnani, da Mastercard: Aposta no cartão pré-pago
para disputar
um mercado que movimentou R$ 12 bilhões em 2011.
Diferentemente de outros cartões pré-pagos, os destinados
aos caminhoneiros não têm um uso específico. Eles são aceitos em qualquer
estabelecimento conveniado à bandeira do cartão e também podem ser usados para
sacar dinheiro nos caixas automáticos dos bancos parceiros. O cartão pré-pago,
em geral, é recarregado pela empresa contratante ao longo da viagem do
caminhoneiro, à medida que o trajeto vai sendo registrado nos pedágios. Também
é permitido ao motorista proporcionar um
cartão adicional a um membro da família. “Isso facilita a vida da esposa do caminhoneiro,
que tinha que esperar o retorno dele para poder ter dinheiro em casa”, afirma
Rubén Osta, diretor-geral da Visa. A Visa espera conquistar a maior fatia desse
mercado já no primeiro ano de atividade.
Para isso, fechou parceria com três das seis administradoras
de meios de pagamento habilitadas pela ANTT para intermediar os contratos de
trabalho: Repom, Pamcary e DBTrans. “A inclusão do caminhoneiro no sistema
financeiro também permitirá que ele se interesse em usar nosso produto em
hotéis, alimentação dentro e fora de casa, etc. É um universo de dinheiro
difícil de mensurar hoje”, diz Osta. Outras bandeiras estão aquecendo seus
motores para acelerar nesse mercado. A Mastercard fechou uma parceria com a
Ticket e está em negociação com outras administradoras a serem credenciadas
pela ANTT. “Apostamos no crescimento de pré-pago em todos os setores”, diz
Alexandre Magnani, vice-presidente de novos negócios da Mastercard Cone Sul.
Ricardo Miranda, da Pamcary: Aposta no cartão pré-pago para
disputar
um mercado que movimentou R$ 12 bilhões em 2011.
Segundo estimativa da empresa, o mercado de pré-pagos pode
chegar a US$ 81 bilhões na América Latina em 2017. No ano passado, movimentou
R$ 12 bilhões. No entanto, não são apenas as bandeiras do primeiro time que
querem conquistar a simpatia e a adesão dos irmãos das estradas. A
administradora de cartões independente Policard, de Minas Gerais, já
contabiliza 100 transportadoras cadastradas e outros 300 contratos pendentes
para começar a operar nos próximos meses. “Temos 50 mil estabelecimentos de
todos os portes cadastrados em todo o País, desde grandes redes de supermercado
até pequenas padarias”, diz Luciano Penha, vice-presidente da Policard. O
motorista autônomo que utilizar o cartão da administradora poderá também sacar
dinheiro nos estabelecimentos que aceitam a bandeira.
A empresa também está fechando parceria com um banco para
ampliar a rede de saques, mas não adiantou qual. “Nossa meta para o primeiro
ano de atividade é movimentar R$ 2 bilhões com esse cartão”, diz Penha. Os benefícios
do fim da carta-frete não se limitam a ampliar o mercado para as
administradoras de meios de pagamento eletrônicos. Segundo estimativas do
setor, há 1,43 milhão de caminhoneiros cadastrados em atividade no Brasil, dos
quais 56% ou 800 mil são autônomos. Essa estimativa deve ser vista com cautela.
“Só saberemos com certeza o tamanho do mercado quando houver a formalização da
atividade”, diz Noboru Ofugi, superintendente de serviços de transporte de
cargas da ANTT. Isso permitirá a criação de outros benefícios. Além de inserir
500 mil novos consumidores no sistema financeiro, o fim da carta-frete vai
permitir, em um futuro breve, o acesso ao crédito.
“Esses trabalhadores poderão financiar a compra de novos
caminhões”, diz Osta, da Visa. A frota de autônomos tem em média 19,1 anos,
segundo a ANTT. “Os projetos do governo para renovação de frota de caminhões
brasileira até então não davam certo porque o autônomo não podia comprovar
renda”, diz Miranda, da Pamcary. Com a regulamentação da atividade, será mais
fácil a compra de caminhões por meio do programa Procaminhoneiro, que prevê
juros de 4,5% ao ano e prazo de financiamento de até 96 meses. “Havia várias
iniciativas para tentar formalizar esse mercado, mas apenas com a exigência da
lei teremos controle efetivo de quem são os caminhoneiros e quanto eles
movimentam para a economia do País”, afirma Ofugi.
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