portal Terra 08/02/2012 - Kelly Cristina Spinelli
Cinco anos atrás, um insólito problema assolava os moradores
de Buenos Aires: a escassez de moedas. Necessárias sobretudo para usar o
transporte público (os ônibus não aceitam notas; metrôs e trens aceitam, mas
geralmente fornecem o troco em moedas), as ditas cujas sumiram de circulação.
Os jornais começaram a noticiar o problema no final de 2006,
mas a o auge da bizarra crise das moedas de Buenos Aires aconteceu entre 2008 e
2009. Cada habitante do país, então, tinha cerca de 120 moedas à sua
disposição, mas não era suficiente para comprar coisas baratas, usar telefones
e, especialmente, circular.
Os "quioscos", espécie de bancas onde se compra
salgadinhos, bebidas etc. começaram a ser procurados como fonte de moedas. O
passageiro de ônibus comprava um alfajor, por exemplo, para receber de volta o
troco que precisava para ir ao trabalho, comprando moedas indiretamente. Logo
não havia moedas nos quioscos e os donos preferiram não vender a dar o troco.
Cartazes onde se lia "no hay monedas" se espalhavam por toda a
cidade.
Em fevereiro de 2008, os bancos eram obrigados por lei a
trocar 100 pesos em moedas para qualquer um que pedisse, mas não havia um que
cumprisse a medida. Em novembro do mesmo ano, baixou-se o valor para 20 pesos
por pessoa, e o novo montante seguiu sendo sumariamente ignorado. Pipocou um
"mercado negro" de moedas: donos de lojas, quioscos e supermercados
pagavam de 3 a 8% de propina para cada 100 pesos de metal.
Sem conseguir se locomover, passageiros fizeram motim dentro
de ônibus. Algumas linhas do metrô começaram a deixar passageiros viajar grátis
por falta de troco. O governo finalmente reconheceu que havia um problema. O
primeiro passo foi colocar mais moedas em circulação. Em 2009 havia 825,8
milhões de moedas, 302 milhões a mais que em 2008. Em 2010, aumentou-se o
número em mais 346,4 milhões.
Além disso, em fevereiro de 2009 foi anunciada a implantação
de um cartão magnético que poderia ser usado nos ônibus e metrôs, o SUBE
(Sistema Único de Boleto Electrónico). Quem vive em São Paulo e no Rio conhece
bem: é parecido com o Bilhete Único. O usuário carrega o cartão com dinheiro e
o utiliza nos ônibus e metrôs - com a diferença de que aqui não existe a
história de pagar uma tarifa só para circular por duas horas.
Como nada é tão fácil quanto anunciam os governos, entre o
anúncio do cartão e sua implantação transcorreram mais de dois anos - a demora
ocorreu por motivos técnicos e políticos: tanto se subestimou a complexidade e
magnitude do projeto, quando algumas transportadoras ofereceram resistência à
nova ideia. A Metrovias, empresa de metrôs, chegou a lançar seu próprio cartão
nesse meio tempo, que era aceito também em várias linhas de ônibus.
Em janeiro deste ano, só 60% dos 10 mil ônibus da cidade
aceitavam o SUBE. Cinco milhões de pessoas na grande Buenos Aires tinham o
cartão, mas só três milhões o utilizavam (sendo que há estimados 12 milhões de
pessoas vivendo na região).
Então, como se nada fosse, o governo decidiu fazer todo
mundo usar o SUBE. No final de janeiro, anunciou-se que quem não tivesse o
cartão até 10 de fevereiro pagaria mais para andar de ônibus, mas não se disse
de quanto seria o aumento. Economistas locais estimam que a tarifa máxima suba
de 1,25 para 2,50 pesos (preço que já se paga no metrô). Outros cartões, como o
Monedero, também devem ficar de fora do subsídio.
Resultado: todos os portenhos foram ao mesmo tempo tentar
retirar seu cartão. Havia filas de horas no centros de distribuição e muitos
deles entraram em colapso e começaram a fechar suas portas antes do horário. O
secretário de transporte, Juan Pablo Schiavi, veio a público pedir pra
"evitar a psicose". O governo lançou uma página onde se podia pedir o
SUBE para receber por correio. Em poucos dias, foram entregues mais de 7
milhões de cartões, e 4,2 milhões deles já foram ativados.
Pouco depois, houve uma mudança de discurso. Anunciou-se que
os dados dos usuários do cartão serão cruzados com dados do ministério de
Desenvolvimento Social para decidir afinal quem terá de pagar mais e quem
continuará pagando menos por receber o subsídio do governo.
Para completar a confusão, um grupos de hackers Anons.ar,
que disseram ser parte do grupo Anonymous, expôs na internet os registros de
viagens com SUBE. Com medo de que o governo tentasse controlar a vida das
pessoas por meio dos cartões, Marcelo Duclos do Partido Liberal Libertário
(PLL) lançou uma campanha para se troque de cartão entre amigos, e assim não se
saiba qual é de quem. Schiavi, novamente, veio a público dizer que o governo
"não é a Gestapo" e que ninguém precisa ter medo do cartão.
Enquanto a situação não se estabiliza, as filas seguem e a
confusão continua. Agora que já há moedas suficientes para todos, elas já não
são bom negócio para circular em Buenos Aires.
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