21 de fev. de 2012

TERMINADA A CRISE DAS MOEDAS, CHEGA A CRISE DOS CARTÕES


portal Terra 08/02/2012 - Kelly Cristina Spinelli

Cinco anos atrás, um insólito problema assolava os moradores de Buenos Aires: a escassez de moedas. Necessárias sobretudo para usar o transporte público (os ônibus não aceitam notas; metrôs e trens aceitam, mas geralmente fornecem o troco em moedas), as ditas cujas sumiram de circulação.

Os jornais começaram a noticiar o problema no final de 2006, mas a o auge da bizarra crise das moedas de Buenos Aires aconteceu entre 2008 e 2009. Cada habitante do país, então, tinha cerca de 120 moedas à sua disposição, mas não era suficiente para comprar coisas baratas, usar telefones e, especialmente, circular.

Os "quioscos", espécie de bancas onde se compra salgadinhos, bebidas etc. começaram a ser procurados como fonte de moedas. O passageiro de ônibus comprava um alfajor, por exemplo, para receber de volta o troco que precisava para ir ao trabalho, comprando moedas indiretamente. Logo não havia moedas nos quioscos e os donos preferiram não vender a dar o troco. Cartazes onde se lia "no hay monedas" se espalhavam por toda a cidade.

Em fevereiro de 2008, os bancos eram obrigados por lei a trocar 100 pesos em moedas para qualquer um que pedisse, mas não havia um que cumprisse a medida. Em novembro do mesmo ano, baixou-se o valor para 20 pesos por pessoa, e o novo montante seguiu sendo sumariamente ignorado. Pipocou um "mercado negro" de moedas: donos de lojas, quioscos e supermercados pagavam de 3 a 8% de propina para cada 100 pesos de metal.

Sem conseguir se locomover, passageiros fizeram motim dentro de ônibus. Algumas linhas do metrô começaram a deixar passageiros viajar grátis por falta de troco. O governo finalmente reconheceu que havia um problema. O primeiro passo foi colocar mais moedas em circulação. Em 2009 havia 825,8 milhões de moedas, 302 milhões a mais que em 2008. Em 2010, aumentou-se o número em mais 346,4 milhões.

Além disso, em fevereiro de 2009 foi anunciada a implantação de um cartão magnético que poderia ser usado nos ônibus e metrôs, o SUBE (Sistema Único de Boleto Electrónico). Quem vive em São Paulo e no Rio conhece bem: é parecido com o Bilhete Único. O usuário carrega o cartão com dinheiro e o utiliza nos ônibus e metrôs - com a diferença de que aqui não existe a história de pagar uma tarifa só para circular por duas horas.

Como nada é tão fácil quanto anunciam os governos, entre o anúncio do cartão e sua implantação transcorreram mais de dois anos - a demora ocorreu por motivos técnicos e políticos: tanto se subestimou a complexidade e magnitude do projeto, quando algumas transportadoras ofereceram resistência à nova ideia. A Metrovias, empresa de metrôs, chegou a lançar seu próprio cartão nesse meio tempo, que era aceito também em várias linhas de ônibus.

Em janeiro deste ano, só 60% dos 10 mil ônibus da cidade aceitavam o SUBE. Cinco milhões de pessoas na grande Buenos Aires tinham o cartão, mas só três milhões o utilizavam (sendo que há estimados 12 milhões de pessoas vivendo na região).

Então, como se nada fosse, o governo decidiu fazer todo mundo usar o SUBE. No final de janeiro, anunciou-se que quem não tivesse o cartão até 10 de fevereiro pagaria mais para andar de ônibus, mas não se disse de quanto seria o aumento. Economistas locais estimam que a tarifa máxima suba de 1,25 para 2,50 pesos (preço que já se paga no metrô). Outros cartões, como o Monedero, também devem ficar de fora do subsídio.

Resultado: todos os portenhos foram ao mesmo tempo tentar retirar seu cartão. Havia filas de horas no centros de distribuição e muitos deles entraram em colapso e começaram a fechar suas portas antes do horário. O secretário de transporte, Juan Pablo Schiavi, veio a público pedir pra "evitar a psicose". O governo lançou uma página onde se podia pedir o SUBE para receber por correio. Em poucos dias, foram entregues mais de 7 milhões de cartões, e 4,2 milhões deles já foram ativados.

Pouco depois, houve uma mudança de discurso. Anunciou-se que os dados dos usuários do cartão serão cruzados com dados do ministério de Desenvolvimento Social para decidir afinal quem terá de pagar mais e quem continuará pagando menos por receber o subsídio do governo.

Para completar a confusão, um grupos de hackers Anons.ar, que disseram ser parte do grupo Anonymous, expôs na internet os registros de viagens com SUBE. Com medo de que o governo tentasse controlar a vida das pessoas por meio dos cartões, Marcelo Duclos do Partido Liberal Libertário (PLL) lançou uma campanha para se troque de cartão entre amigos, e assim não se saiba qual é de quem. Schiavi, novamente, veio a público dizer que o governo "não é a Gestapo" e que ninguém precisa ter medo do cartão.

Enquanto a situação não se estabiliza, as filas seguem e a confusão continua. Agora que já há moedas suficientes para todos, elas já não são bom negócio para circular em Buenos Aires.



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