jornal O Estado de S. Paulo 02/02/2012 – Leandro Modé
Maior banco do mundo durante décadas, o Citigroup quase sucumbiu
à crise das hipotecas de alto risco nos Estados Unidos. Só resistiu porque foi
resgatado pelo governo americano. Passados mais de três anos do auge da
confusão, o banco se reorganizou e definiu como prioridade a atuação nos países
emergentes, entre os quais o Brasil. "Naquela época, teve gente que bateu
na porta para dizer que tinha interesse na operação brasileira. O banco foi
claro: o Brasil não está à venda. Ao lado dos outros emergentes, forma a joia
da coroa", relata o presidente do Citi no Brasil, Gustavo Marin.
Nesta entrevista, o uruguaio, que comanda a unidade
brasileira desde 2005, fala sobre as apostas para os próximos anos no País, e
revela que a sede para a América Latina pode ser transferida da Cidade do
México para São Paulo. A seguir, os principais trechos da entrevista:
O sr. tem falado pouco desde que o Citigroup teve os
problemas, no auge da crise, em 2008.
Tanto no mundo quanto no Brasil, o banco esteve focado, no
pós-crise de 2008, em reconstrução. Foram anos de muito trabalho para dentro.
As orientações de nosso presidente (Vikram Pandit) foram claras: restabelecer a
saúde financeira e redefinir a estratégia. Algo em que foi muito bem-sucedido.
A crise da dívida europeia encontrou o banco muito bem preparado. No Brasil,
não tivemos nenhum desses problemas, mas também foram anos de fortalecimento de
time, de definir em que negócios gostaríamos de estar, de procurar eficiência.
Depois de arrumar a casa, já é tempo de olhar para fora?
2011 já foi um ano de sair para conquistar espaços. Foi um
ano em que o Citi partiu para o ataque. Terminamos de montar o banco de
investimentos. A crise internacional que veio na segunda metade de 2011 só
acelerou esse processo, porque o Citi foi impactado de forma mínima em relação
aos concorrentes. Isso criou grandes oportunidades. Esse foi o foco de 2011:
ocupar espaços e crescer.
A que áreas o sr. se refere?
No banco de investimento, na área de pessoa física, em
tesouraria, nas pequenas e médias empresas... Enfim, todas as linhas de negócio
no Brasil tiveram expansão importante.
Quais são as prioridades?
O banco, em 2008, foi forçado a tomar decisões importantes.
A mais importante foi definir em que negócios queria ficar. Eram cerca de US$
650 bilhões em ativos para se desfazer. O grosso era banco de varejo em países
desenvolvidos. A única coisa que decidimos vender aqui foi a participação na
Redecard. Naquela época, teve gente que bateu na porta para dizer que tinha
interesse na operação brasileira. O banco foi claro: não, o Brasil não está à venda.
O Brasil, ao lado dos outros emergentes, forma a joia da coroa. Estamos
presentes em mais de 100 países e temos capacidade para fazer negócio em 160.
Antes, o mundo tinha Nova York e Londres, e todo o resto se conectava por meio
dessas duas cidades. A crise mostrou que está surgindo um novo mundo
multipolar. As conexões são diretas: São Paulo-Nova Délhi, Seul-Cidade do
México, Pequim-Johannesburgo...
Como pretendem aproveitar o bom momento da economia
brasileira? A unidade de varejo é pequena e tem foco na alta renda.
As pessoas esquecem alguns tipos de transações. Não estamos
no negócio de varejo de agências, mas acessamos toda a pirâmide da população
via Credicard. A Credicard atende essa nova classe média de urna forma muito
inteligente. É uma empresa que pode vender 2 milhões de contas sem ter presença
física na rua. Em um mundo cada dia mais conectado e digital, as pessoas vão
pouco à agência. E isso só vai aumentar.
Mas os bancos de varejo, aqui, estão abrindo muitas
agências.
Cada um tem a sua estratégia. Ao entender meus pontos fracos
e fortes, não vou querer competir com um banco que tem 4 mil agências. Mas vou
competir com as ferramentas que tenho: capacidade de acessar dados, venda
remota etc. Tenho toda uma estratégia de pessoa física, com foco nas classes A
e B, que me permite ter em Porto Alegre, por exemplo, 4, 5 ou 6 agências bem
localizadas. O restante da população atendemos via Credicard. No atacado, temos
visto o surgimento das pequenas e médias empresas. Estamos sistematicamente
atacando esse público. Trazemos para o Brasil produtos e serviços bem-sucedidos
em outros lugares do mundo, adaptados, claro, à realidade local.
Qual é o tamanho do Brasil na estrutura do Citi?
Estamos entre a 5ª e
a 6ª maior operação no mundo.
O Citi está satisfeito com o tamanho que tem no Brasil?
Nunca estamos satisfeitos com o tamanho. Sempre queremos -e
vamos - ser maiores.
Qual a estratégia para isso?
Crescimento orgânico. Sendo realista, neste momento, é
difícil pensar que algum grande banco americano fará grandes aquisições mundo
afora. Com a nova bateria de regulamentações (Basileia 3, entre outras), é
difícil pensar nisso.
O HSBC mudou a sede da América Latina do México para São
Paulo. O Citi tem algum plano semelhante?
Isso está sendo discutido.
Existe a possibilidade?
Sim. Está em estudo dentro de um plano de reestruturação das
diferentes regiões do mundo.
Por que a discussão?
Em primeiro lugar, pela importância do Brasil. Poderia ser
uma forma de sinalizar a importância do Brasil dentro da América Latina. Há
ainda outras considerações internas para justificar (uma eventual mudança).
Quando haverá uma definição?
Não sei dizer.
Como o Citi vê a conjuntura global?
A Europa vai conseguir uma solução ao longo de 2012. Já
prevemos o mundo crescendo de forma mais rápida em 2013. Nos EUA, o crescimento
já surpreende. O impasse político (eleição de novembro) atrasa um pouco mais a
recuperação nos EUA. Também vemos a Ásia crescendo. O risco de um pouso brusco
na China está afastado.
Não há ruptura?
Exatamente. Esse cenário já é mais do que suficiente para
que o Brasil cresça em torno de 3,5%. Sem ruptura, esse número pode até ser
conservador. Além disso, o governo brasileiro tem ferramentas de dar inveja a
outros países para enfrentar situações difíceis. Há espaço para mexer na
política monetária, fazer política anticíclica e, além disso. o nível das
reservas é elevado.
Quais são as principais oportunidades que o Citi enxerga no
Brasil a médio e longo prazos?
Temos grande foco nisso que eu disse há pouco sobre o novo
mundo multipolar. Isso cria fluxos de comércio exterior, de capitais, de
investimento, que achamos que é uma enorme oportunidade. No passado, nossos
banqueiros consumiam a maior parte do tempo visitando Nova York, Londres e
outras partes da Europa. Hoje, investem muito tempo visitando clientes na
China, índia, Oriente Médio, outros países da América Latina. É impressionante.
Estamos nos posicionando para aproveitar esses fluxos.
E os riscos? Há, por exemplo, quem tema pelo mercado de
crédito no longo prazo aqui.
Os maus créditos se dão em bons momentos. Esse caminho (alta
do crédito no Brasil) não vai acontecer sem altos e baixos, como a própria
crise europeia mostra. As disciplinas básicas de ser um bom banqueiro nunca
podem ser deixadas de lado. Não se pode relaxar no gerenciamento de riscos.
Mas, deixando de lado esse dia a dia do banqueiro, os grandes riscos estão
ligados à mão de obra e à infraestrutura. Pode faltar recursos humanos para
abraçar as oportunidades que temos.
O sr. tem observado excessos na concessão de crédito no
País?
Estamos sempre atentos ao grau de endividamento das
famílias. Em algum momento, pode haver ajuste, detonado por fatores como uma
parada na geração de empregos ou uma minirrecessão, com efeito sobre o desemprego.
Nesse momento é que saberemos se houve excessos. Por isso, é importante avaliar
o endividamento das famílias tão de perto.
Há uma percepção de
que os bancos brasileiros são os mais lucrativos do mundo. E verdade?
Não. Os níveis são semelhantes. O problema é que o mundo
passou por situações complexas nos últimos anos. Hoje, o mercado brasileiro
está crescendo porque o Brasil está crescendo. Mas a Ásia também cresce. Ou
seja, um banco aqui não ganha mais do que um banco lá.
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