27 de jun. de 2011

CONSUMIDOR MUDA PRIORIDADES

jornal Valor Econômico 22/06/2011 - Chico Santos

A trabalhadora autônoma carioca Edna da Silva, casada, um filho, com renda familiar mensal de aproximadamente R$ 3 mil, acaba de realizar o sonho da casa própria. Comprou, pelo programa Minha Casa Minha Vida, com financiamento de 20 anos pela Caixa Econômica Federal, um apartamento de 60 metros quadrados no subúrbio de Del Castilho (zona norte) e deixou para trás o que alugava no mais distante subúrbio do Irajá (zona norte). Ontem à tarde ela pesquisava preço de máquina de lavar. Cautelosa, disse que pretende renovar devagar seus móveis e eletrodomésticos, começando pela máquina de lavar e, em seguida, pela geladeira.

Edna é o retrato fiel do consumidor mais modesto, mas ativo, que emerge da pesquisa nacional de intenção de compra de maio feita pela Federação do Comércio do Estado do Rio de Janeiro (Fecomércio-RJ). Foram ouvidas mil pessoas das classes A, B, C. D e E, em 70 cidades das regiões metropolitanas de nove capitais. Em relação a maio do ano passado, a intenção de compra que mais cresceu foi justamente a da máquina de lavar que passou de 0,6% dos entrevistados para 10,9%.

Na sequência, os que mostraram mais crescimento são imóvel, guarda-roupa, microondas e telefone celular. A intenção de comprar um carro, que foi manifestada por 12,6% dos entrevistados em maio do ano passado e que alcançou 19,5% em abril deste ano, caiu em maio para 6,4%. Às vésperas da Copa do Mundo de 2010, a intenção de comprar uma televisão predominava em maio do ano passado (21,9% das respostas), caindo 63,5% em maio deste ano, para 8%, enquanto a disposição de comprar um computador caía 24,3%, para 7,8%. Geladeira permaneceu estável em um patamar elevado, próximo a 20% dos entrevistados.

Em linhas gerais, a inversão de sonhos de consumo não faz distinção de classe econômica de consumidores. A intenção de comprar um carro, por exemplo, em maio do ano passada foi manifestada por 19% das pessoas das classes A e B, por 16% da classe C e por 2% das classes D e E. Em maio deste ano o desejo caiu para 9% das camadas mais ricas, para 6% na classe C e para zero entre os mais pobres.

Já a máquina de lavar, que aparecia no ano passado com apenas 1% da classe C, agora veio com 8% das respostas da A e B, 16% da C e 4% da D e E. O sonho da casa própria cresceu nas classes A, B e C e permaneceu distante dos mais pobres.

Para o economista Christian Travassos, o novo panorama não pode ser lido sem antes saber o que diz a pesquisa de orçamento do brasileiro, também feita pela Fecomércio, concomitantemente com a de intenção de compra. E as questões orçamentárias mostram uma pequena elevação da inadimplência (de 6,4% para 8,8% (em abril era de 10,8%).

Mostra também que passou de 16,4% em maio de 2010 para 22,1% em maio passado, o contingente de entrevistados que disseram que "vai faltar" dinheiro após o pagamento das despesas, que a intenção geral de continuar comprando caiu de 17,4% para 14,2% e que cresceu bastante, de 22,1% para 30,3%, o grupo dos que, entre aqueles que pretendem comprar, disseram que irão pagar à vista.

Foi o que fez o pequeno comerciante cearense Reginaldo Vasconcelos, 46, morador de Ipanema (zona sul do Rio). Com retirada mensal de R$ 2 mil da sociedade que tem em um pequeno bar e restaurante no centro da cidade, disse que comprou à vista o celular, tipo "smartphone" que comprou por R$ 590 no mês passado.

Esta semana lamentava na vitrine da loja o fato de o preço do mesmo produto ter caído para R$ 399. Morador de um conjugado, Vasconcelos disse que só compra um carro quando puder também pagar a vista. "Um amigo comprou pelo sistema de 'leasing' um carro por R$ 35 mil. Agora ele deve R$ 25, o mesmo que está valendo o carro. Não vale a pena!", comenta.

"Ainda são uma minoria os inadimplentes no Brasil, mas os números mostram que o país vinha em um crescente de consumo e que agora o consumidor está desacelerando, mas não está perdendo de vista o controle", analisa Travassos, da Fecomércio-RJ.

A preocupação crescente com fazer os pagamentos à vista revela um consumidor preocupado em não desequilibrar o orçamento, segundo o economista.

De acordo com Travassos, o quadro caracteriza a resposta do consumo às medidas de restrição ao crédito e o aperto monetário expresso na elevação da taxa Selic. É um quadro que interessa ao comércio que, segundo ele, "prefere um consumo sustentável a uma bolha de consumo".

Para o economista Antonio Corrêa de Lacerda, professor da PUC-SP, o quadro mostra "uma realidade inexorável": a limitação da capacidade de endividamento das pessoas, a restrição ao crédito trazida pelas medidas macroprudenciais do governo e a redução da renda real provocada pelo aumento da inflação. Ele também é favorável à redução do consumo no presente para assegurar a continuidade em um patamar sustentável.

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