3 de jan. de 2011

O COMÉRCIO QUE NÃO SE RENDE AO CARTÃO

jornal Valor Econômico 03/01/2011 - Adriana Cotias

"Srs. clientes, não aceitamos nenhum tipo de cartão de crédito, nem de débito. Motivo: altas taxas cobradas pelas administradoras, que, no caso de aceitarmos, teremos de repassar no nosso cardápio, prejudicando nossos clientes. Não achamos justo. Estamos negociando. Pedimos sua compreensão. A gerência."

Assim, com esse texto em letras garrafais na primeira e na última páginas do cardápio, são recepcionados os comensais do tradicional restaurante Sujinho, com quatro unidades na região central de São Paulo. Ali, a terceira geração da família portuguesa dos Afonso comanda um espaço disputado por amantes da bisteca bovina e de outros cortes especiais de carne. Com a casa sempre cheia, os portugueses nunca se renderam aos apelos dos meios eletrônicos de pagamentos. A clientela, em geral, já sabe da restrição e a encara com naturalidade.

Na quarta-feira que antecedeu o Natal, um grupo de amigas se reunia para uma confraternização. As que chegavam primeiro acionavam seus celulares e avisavam as demais que a conta teria de ser paga em cheque ou dinheiro.

O caso do Sujinho é emblemático de que apesar de a abertura do mercado de cartões ter trazido melhores condições de preços para segmentos do comércio e de serviços negociarem com as credenciadoras em 2010, ainda há um varejo resistente aos plásticos. Os donos não gostam de falar a respeito. A conta com almoço, suco e sobremesa, que custou R$ 66,11 por pessoa, foi paga em dinheiro.

Mas restaurantes mais caros, como as casas da família Aleixo, no Rio de Janeiro, ou o Massimo, em São Paulo, nos Jardins, com preço médio de R$ 150,00, também não aceitam cartões. Massimo Ferrari, que deu nome ao restaurante inaugurado em meados da década de 70, já não está mais no endereço da Alameda Santos. Há pouco mais de três anos, deixou-o aos cuidados do irmão mais velho, Venanzio, após uma série de desentendimentos. Abriu então na Vila Olímpia a rotisseria Felice e Maria, e lá, bandeiras como Visa, Master Card e American Express são bem vindas.

"Antes mesmo da inauguração, as máquinas já estavam instaladas", diz. "Eu nunca tive problemas com cartões, é um instrumento com o qual o consumidor já se habituou a pagar as suas compras. No Massimo, nunca aceitamos porque era meu irmão que não queria, por pura teimosia." No balcão do caixa do seu restaurante, ainda há três POS (point of sale, na sigla em inglês), da Cielo, da Redecarde da American Express. Ferrari ainda não renegociou taxas nem decidiu se vai ficar com os serviços de uma única credenciadora. "Vou esperar as festas passarem e ver qual é a orientação do contador."

Pesquisa do Datafolha, encomendada pela Abecs, a associação que reúne as empresas do setor de cartões, mostra os ramos em que o dinheiro ou o cheque ainda prevalecem: jornais, revistas e livros (89% das vendas são pagas com meios não eletrônicos), educação (87%), compra ou locação de veículos (78%), lazer, incluindo cinema, teatro e shows (77%), serviços médicos, clínicas (75%) e restaurantes, bares e lanchonetes (63%).

São barreiras que, aos poucos, vão sendo quebradas, diz o presidente da Abecs, Paulo Caffarelli. "No cheque pré-datado, o risco é 100% do lojista. No cartão, ele paga a taxa e tem a certeza do pagamento." Para o executivo, também vice-presidente de varejo e novos negócios do Banco do Brasil(BB), com mais consumidores com cartões em mãos nos próximos anos, haverá pressão cada vez maior para o comércio aceitar a forma eletrônica de pagamento. É por essa razão que a entidade estima que em 2015 os cartões serão responsáveis por 25% do consumo privado, taxa que deve fechar 2010 em 13,9%.

Das seis lojas da Portogallo, do ramo de varejo têxtil em São Paulo, só uma delas, a da Vila Mariana, recebe as compras do consumidor com cartões. "As taxas são muito altas e os contratos que as empresas propõem para os lojistas vêm com um custo tal, que é depois elevado unilateralmente, sem consulta prévia", diz o sócio André Ouchana. "Quando você tenta reclamar é atendido por uma gravação." O comerciante reconhece, porém, que os cartões fazem falta no dia a dia, o cliente costuma bater o pé e, eventualmente, a rede até perde vendas.

Em lugar do parcelado sem juros no cartão, as compras são financiadas no cheque pré-datado. Aqueles que voltam sem fundos, diz, estão dentro do que considera tolerável. "É um risco normal, em qualquer atividade."

A Belpark, nome fantasia de dois lava-rápidos na Zona Oeste de São Paulo, não tem problemas com cheques sem fundos, dado o baixo valor do serviço e também pela fidelidade da clientela, que reside na vizinha. Mas se prepara para, em 2011, começar a receber os cartões. "Vamos ganhar um novo sócio", brinca Marco Aurélio Minharo Gambim, um dos proprietários, referindo-se aos custos que vão ser adicionados à operação. "No crédito serão 3,5% por transação e no débito, 3%. Vamos ter que aumentar o valor da lavagem."

No ramo de beleza e estética, o salão Krika, em Perdizes, é outro estabelecimento que, no orçamento de 2011, vai incorporar novos custos. A gerente Maria Cristina Amorim conta que, neste ano, foi muito assediada pelos bancos e que viu nas mudanças recentes no mercado uma janela para aderir aos meios eletrônicos. Fechou com a Redecard um contrato em que terá três meses de isenção de taxa de POS e depois passa a pagar R$ 49,00 por mês. "Antes, o aluguel saía a R$ 80,00 e era preciso ter uma máquina para cada bandeira." No crédito, a taxa descontada será de 3,5% por transação e no débito, de 2,5%. "Espero assim melhorar o fluxo de clientes."

Embora exista um varejo bem tradicional que ainda não se rendeu aos cartões, não é de hoje que as credenciadoras tentam avançar por novos segmentos. A Redecard, por exemplo, conseguiu chegar às revendedoras de cosméticos da Avon, colocando no celular as funções de um POS, com custos mais baixos do que a maquininha convencional. A Cielo recentemente lançou um aplicativo para Ipad e smartphones da Apple em que os aparelhos de última geração também fazem as vezes de um POS. O intuito é estimular o uso por médicos, dentistas e advogados.

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