7 de ago. de 2011

DEVEDOR DEFUNTO DESAFIA AS EMPRESAS DE COBRANÇA

jornal Valor Econômico 05/08/2011 - Felipe Marques

No Pontal do Paranapanema, extremo Oeste do Estado de São Paulo, uma carteira de crédito para empreendedores agrícolas começou a apresentar aumento de inadimplência. Chamada para tentar reduzir as taxas, a empresa de cobrança Audac foi em busca dos devedores e acabou encontrando-os em um lugar mórbido: no cemitério. Cerca de um quarto do portfólio era composto por devedores que já haviam partido desta para melhor.

"Esse tipo de situação é parte da cobrança", diz José Romeu Roque que, além de diretor da Audac, também preside a Associação Nacional das Empresas de Recuperação de Crédito (Aserc). "No maior banco brasileiro, cerca de 3 mil clientes morrem por mês".

O pitoresco caso dos devedores defuntos pode não ser regra, mas ilustra um dos principais desafios das assessorias de cobrança: o de encontrar os maus pagadores. Para isso, recorrem a empresas especializadas em criar bancos de dados, que usam a lista telefônica, a internet e até a compra de cadastros de promoções de shoppings para consolidar dados.

"Em qualquer rede social a gente encontra quem quiser", diz Mauro Melo, diretor da Credilink, que atua na criação de bancos de dados. Ele conta que a utilização das listas da empresa chega a custar de R$ 2 mil a R$ 6 mil.

Bancos de dados como o da Credilink permitem que as empresas de cobrança encontrem devedores apenas com o número do CPF. Basta digitar o documento do endividado para ganhar acesso a uma lista de informações, que vão desde nome, últimos endereços e telefones, até contatos de familiares.

"O setor de cobranças teve uma evolução tremenda num espaço de dez anos", diz Roque. "Eu me lembro de quando cobrávamos do orelhão, com um saco de fichas". Agora, os tempos são outros e até o disparo automático de torpedos para celular é usado.

Porém, a melhora das tecnologias não afastou os problemas do setor, que vinha ganhando embalo nos últimos anos com a expansão dos empréstimos. O ritmo de crescimento das assessorias de cobrança deve desacelerar em 2011, mesmo com a piora da inadimplência no mercado de crédito. Depois de um aumento de 25% do faturamento em 2010, o crescimento esperado para este ano é de 16%, de acordo com dados da Aserc. Os motivos, relatam executivos, seriam os atrasos na licitação do Banco do Brasil, a diminuição das atividades de cobrança do PanAmericano e as medidas do Banco Central para contenção ao crédito.

"Houve uma queda no poder do cliente de cumprir com suas obrigações. Isso trouxe um impacto negativo para o setor", diz Nicolas Medina, diretor da assessoria de cobrança Orcozol.

A frase pode parecer contraditória porque a inadimplência é, naturalmente, uma oportunidade de negócio para essas empresas. Mas, se elas não conseguem recuperar os créditos, a oportunidade não se reverte em mais receita. A avaliação da Orcozol não é compartilhada por outras empresas do setor, que dão ênfase a outros fatores.

Em 2010, o setor teve faturamento de R$ 12 bilhões e recuperou R$ 140 bilhões em créditos atrasados, de acordo com estimativa da Aserc, valor que inclui dívidas financeiras e não financeiras, como concessionárias de serviços públicos e serviços educacionais.

Com ativos de crédito de mais de R$ 340 bilhões, o atraso na licitação do BB para selecionar empresas de cobrança terceirizadas foi uma das principais causas da queda no ritmo ao longo do primeiro semestre. De acordo com a assessoria do banco, o endurecimento de critérios de seleção prolongou o processo como um todo.

O período também foi afetado negativamente pelos problemas do PanAmericano no fim do ano passado, que era o maior cliente das agências de cobrança no segmento de bancos pequenos e médios. A instituição tolerava altas taxas de inadimplência e, depois da aquisição pelo BTG Pactual (que se tornou sócio da Caixa no negócio), teve suas dívidas transferidas para um fundo de recebíveis. O PanAmericano informou, por meio de nota, que não comentaria a gestão de seus contratos com terceiros.

Fora problemas com clientes específicos, o esfriamento da economia, juntamente com a ação das medidas de restrição ao crédito do Banco Central - que incluíram aumento de compulsório e maior requerimento de capital para empréstimos de longo prazo às pessoas físicas - teriam criado um ambiente difícil para cobrança. "Já sentimos o efeito negativo das medidas do BC no primeiro semestre", diz Roque, da Aserc.

Segundo ele, as medidas teriam causado uma redução no volume de trabalho e entrada de crédito nas agências de cobrança, mesmo com aumento da inadimplência.

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