14 de fev. de 2011

BRASILEIRO ESTÁ MAIS ENDIVIDADO QUE AMERICANO

jornal Brasil Econômico 14/02/2011 - Thais Folego

Renda estável, taxa de juros baixa, financiamento com prazos longos e confiança na economia. Esses foram fatores que suportaram o estilo de vida americano ao longo de muitos anos e a cultura do consumo antes da crise iniciada em 2008. A estabilidade da economia no Brasil e a oferta abundante de crédito têm feito o brasileiro experimentar um pouco desse estilo de vida, a ponto de ter uma parte maior de sua renda comprometida com dívidas na comparação com os americanos.

O peso da dívida na renda das famílias brasileiras é de 22%, segundo o Relatório de Inflação do Banco Central de março de 2010, o último dado disponível. Em comparação, as famílias americanas comprometem 15% da sua renda com dívidas, segundo o Federal Reserve, o banco central dos EUA. Há de se considerar, porém, que a renda do americano, em média de US$ 4,4 mil por mês, é mais alta que a do brasileiro, cuja média mensal é de R$ 1,5 mil.

Apesar do endividamento maior, a relação entre crédito e Produto Interno Bruto (PIB) no Brasil é infinitamente menor que a dos Estados Unidos. Aqui, o crédito equivale a 47% do PIB, enquanto lá ele é de quase 200%. No entanto, essa relação tem avançado rapidamente no Brasil. No início da década passada, ela era de 23%, portanto dobrou, lembra Nicolas Tingas, economista da Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi).

Para Celso Grisi, diretor do Instituto de Pesquisas Fractal e professor da Universidade de São Paulo, não há espaço para essa relação crescer muito mais com o atual patamar de juros cobrado no país. "A nossa economia não suporta uma taxa dessas. Veja o próprio exemplo da crise dos Estados Unidos: quando as pessoas se endividaram e compraram seus imóveis o juros era de 1%, quando ele subiu para 5% as pessoas não conseguiram mais pagar", diz.

Na avaliação de Grisi, inclusive, o crédito cresceu acima do nosso potencial, o que começa criar bolhas, além da infraestrutura e da produção não suportarem a demanda. Tudo isso resulta em inflação. "Precisamos aumentar a poupança do país, hoje na casa dos 18% do PIB, para sustentar o crescimento. Se ele for sustentado por crédito, vamos endividar todo mundo", diz Grisi, para quem um avanço sustentável de 5% do PIB exigiria uma poupança equivalente a 25% do Produto Interno Bruto.

Pé no freio

O corte de R$ 50 bilhões do Orçamento do governo para este ano, o aumento do recolhimento compulsório dos bancos (que já tirou R$ 60 bilhões de liquidez do mercado) e o crescimento da inadimplência, que começou a dar as caras, prometem reduzir o ritmo do crescimento para este ano — e também o do crédito, que teve expansão média anual de 20% nos últimos seis anos. "O mercado estima um avanço na casa dos 15%", diz Tingas, da Acrefi. Ou seja, co meçamos a sentir o gosto da estabilidade que levou ao padrão de consumo americano. Mas, para sustentá-lo, será necessário mais investimentos e muito arroz e feijão.

DIFERENÇAS: Consumidor nacional não se financia no cartão de crédito

Do estoque do volume de crédito concedido por meio do cartão de crédito no Brasil, 70% se encontra na modalidade sem juros, que é composta pelas compras parceladas sem juros e pelo "grace period" - crédito entre o dia da compra e o vencimento da fatura em que o banco não cobra juros. Isso mostra que o brasileiro não financia efetivamente suas compras no cartão, como o americano. Isso ocorre, em grande parte, pela alta taxa de juros cobrada no rotativo aqui no Brasil, em média superior a 12% ao mês.

"O crédito no cartão é preocupante, principalmente nas classes de menor renda que estão começando a ter acesso ao cartão agora e ainda não sabem lidar com o giro no rotativo", diz Nicolas Tingas, economista da Acrefi. Ele lembra que, por conta disso, o governo começa a dirigir ações específicas para tratar do assunto. Do estoque total de crédito livre à pessoa física, 5% é tomado por meio do cartão de crédito. A iniciativa mais recente foi a padronização das taxas cobradas pelos bancos para cinco tipos de tarifas — até então, cada instituição nomeava sua cobrança como queria, o que impedia o cliente de comparar as taxas. Outra, foi a delimitação do pagamento mínimo da fatura de 15% a partir de junho e 20% a partir de dezembro deste ano. "Começamos a ver iniciativas de tentar educar financeiramente as pessoas para a tomada do crédito, o que não era tão necessário há alguns anos, quando não havia crescimento", afirma Tingas.

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