25 de out. de 2010

VALID AVANÇA NO RITMO DO ‘PLÁSTICO’

jornal Valor Econômico 25/10/2010 - Vanessa Adachi

No cofre cercado por portas de segurança onde só os funcionários devidamente autorizados podem entrar, descansam cerca de 40 milhões de cartões plásticos de crédito e débito virgens, sem qualquer dado gravado. São centenas de modelos diferentes, com as cores e os logos de quase todos os bancos. Na fábrica localizada no município de Barueri, na Grande São Paulo, cada cartão - todos fabricados antes numa unidade em Sorocaba - recebe a impressão dos dados do seu futuro portador. E, quando é o caso, um chip também é inserido por uma máquina de extrema precisão que recorta o plástico milimetricamente e cola no orifício aberto o microprocessador. As informações dos clientes bancários chegam, via links dedicados, em arquivos criptografados. No cofre, o estoque é conferido obsessivamente, porque qualquer desfalque pode ser o estopim de uma fraude.

Ali mesmo, nas instalações da Valid, até duas semanas atrás conhecida como American Banknote, os cartões são checados e envelopados por uma legião de mulheres - com os anos a empresa concluiu que elas são mais detalhistas - e despachados para a casa dos clientes. São 8 milhões de cartões magnéticos e 4,5 milhões de cartões com chip todos os meses, além de 2 milhões de chips para celular. Da mesma fábrica saem mensalmente os cerca de 20 milhões de extratos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) enviados pela Caixa Econômica Federal aos trabalhadores, além de outros 10 milhões de extratos da caderneta de poupança do banco estatal. O contrato da Caixa foi ganho em licitação no ano passado e motivou o investimento em novas máquinas. O equipamento tem capacidade para imprimir e dobrar 60 mil extratos por hora. Por mais que se tente, é simplesmente impossível ler o que sai escrito, tamanha a velocidade.

Vista por fora, a instalação muito simples, num grande galpão cuja outra metade é ocupada por uma grande rede de varejo, não sugere a existência de toda a atividade sigilosa que se processa ali dentro. Os executivos da Valid não comentam, mas é sabido que os funcionários recrutados têm sua vida financeira e ficha criminal, bem como a de parentes de primeiro grau, verificadas. O procedimento é praxe no setor e uma exigência dos clientes. No caso da Valid, os principais clientes são os maiores bancos brasileiros: Banco do Brasil, Itaú Unibanco e Bradesco. E também operadoras de telefonia, com destaque para Oi e Vivo.

A fábrica de Barueri é apenas uma das sete plantas da Valid, que confecciona quase todos os cheques ainda usados no país, assim como a maior parte das carteiras dos motoristas brasileiros e boa fatia dos cartões de crédito e chips de celular. Dificilmente alguém sai à rua hoje sem portar um desses itens.

No ano passado, a empresa teve uma receita líquida de R$ 706 milhões e lucro de R$ 81 milhões. Desde 2006, com a abertura de capital, a companhia, que já foi controlada pela American Banknote dos Estados Unidos, tornou-se uma "corporation", empresa de capital pulverizado em bolsa.

A história da Valid - o novo nome foi aprovado pelos acionistas no dia 8 - se confunde com a da evolução da indústria de meios de pagamento no país. Do papel ao plástico e, agora, tentando antecipar qual a tecnologia de pagamento do futuro. Por pouco a Valid nem chegou a existir. Em 1957 a centenária fabricante inglesa de papel moeda Thomas de La Rue ergueu uma fábrica no Brasil de olho na oportunidade de imprimir dinheiro localmente. Até então, o país importava suas notas, inclusive da própria De La Rue . O negócio nunca vingou porque o monopólio da impressão do dinheiro brasileiro foi dado pelo governo à Casa da Moeda.

A empresa se salvou e passou a imprimir cheques bancários e de viagem. Depois vieram os cartões de plástico com tarja magnética. No meio do caminho, a De La rue vendeu a unidade brasileira para a concorrente americana American Banknote. Nos anos recentes, chegou a hora de a empresa surfar a onda dos cartões de crédito e débito com chip, conforme os bancos convertem suas bases de plástico para a tecnologia mais segura, à prova de fraudes.

Agora, a empresa começa a direcionar esforços para formas de pagamento sem contato - chamada de contactless. "No futuro, a única certeza que temos é que isso [formas de pagamento] continuará mudando. Há várias apostas sobre a mesa e ninguém sabe para onde o mercado vai convergir", diz Sidney Levy, presidente da Valid. Ele lembra que o cartão inteligente, com chip, demorou a emplacar. Hoje é uma das principais fontes de receita da Valid. O negócio de cartões para a empresa tem crescido a uma taxa e 25% ao ano na última década.

Em sociedade com a Cielo, da área de captura e processamento de pagamento com cartões, a Valid comprou neste ano a M4U, que tem um sistema de pagamento via celular. "É a maior plataforma de pagamento móvel do país e já é lucrativa", diz o executivo. Os planos são levar, a partir da base da M4U, o pagamento móvel para fora do país, adianta ele. A empresa aposta na convergência para pagamento e identificação dos portadores tudo via celular, diz o vice-presidente, José Roberto Mauro. Em vez de documentos e cartões, as pessoas usariam apenas o aparelho telefônico.

Hoje, a Valid se define como uma empresa de tecnologia e serviços voltada a meios de pagamento e identificação. Responsável por cerca de 80% das carteiras de habilitação emitidas no país, a empresa tem um curioso banco de dados com nada menos que 75 milhões de fotografias de carteiras atuais e do passado - até aquelas das quais você nem se lembra.

A divisão de meios de pagamento, a principal da empresa, congrega 20 produtos diferentes. Ainda saem das suas gráficas 1,5 bilhão de folhas de cheque todos os anos, o que lhe confere 80% desse mercado. Só que aquele que já foi praticamente seu único negócio representa agora apenas 3% do faturamento. Há 12 anos os cheques eram 85% do faturamento.

Nos anos 90, a companhia adquiriu as gráficas de Bradesco, Itaú e Unibanco, passando a fazer os impressos das instituições, além dos cheques, também extratos, envio de senhas e outros. Na transação com o Bradesco, que tinha uma gráfica monumental e até então fazia todo o material gráfico em casa, o banco ficou com 22,5% da empresa. Hoje, a fatia encolheu, mas ainda é relevante e está em torno de 4%.

A Valid, então ABnote, fez sua abertura de capital em 2006 e, de lá para cá, o desempenho de suas ações não chega a ser inspirador, muito embora a companhia não tenha nenhum concorrente com portfólio de produtos igual ao sei. Subiram 31,7%, contra 77,7% do Ibovespa. "Fizemos o IPO numa janela de euforia, a múltiplos de resultado que nunca mais foram atingidos", admite Levy. Ele diz que, quando o controlador deixou a empresa, sentou-se com todos os acionistas principais para saber o que esperavam da empresa. "O que ouvi de todos foi que desejavam criação de valor a longo prazo e não valorização do papel no curto", diz, completando que os números da companhia continuam a crescer.

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