4 de jan. de 2012

UMA LIVRARIA QUE VENDE PASSAGENS, CURSOS E ATÉ LIVROS

jornal O Estado de S. Paulo 12/12/2011 - Marina Gazzoni

Na quase centenária Saraiva, 2011 pode ficar marcado como o ano em que ela mais se distanciou do título de livraria e caminhou para se tornar uma varejista que vende de tudo na área de informação e entretenimento. Em vez de brigar com as tecnologias digitais, a Saraiva está tentando aproveitar as mudanças no comportamento do cliente para vender mais produtos e buscar novas oportunidades na internet.

"Temos certeza que uma parte do que vendemos será consumida digitalmente por gerações futuras. Então temos que estar presentes e com muita força nos produtos digitais", afirma o diretor-presidente da Livraria Saraiva, Marcílio Pousada.

A companhia, criada em 1914 pelo imigrante português Joaquim Inácio da Fonseca Saraiva, precisou se reinventar para ganhar - e manter - a posição de maior varejista de livros do País. O namoro com a internet começou em 1998, quando a empresa lançou a sua loja virtual. Treze anos depois, a Saraiva.com foi responsável por 37% da receita líquida da livraria nos nove primeiros meses de 2011, uma cifra da ordem de R$ 380 milhões.

Mas vender livros pela internet não foi o suficiente. A companhia pôs o e-book "na prateleira" e lançou o seu próprio leitor digital. Não parou por aí. Em 2011, colocou em prática um plano de aproveitar ainda mais sua loja virtual - e sua carteira de 1,8 milhão de clientes ativos - para vender também assinaturas de revistas, cursos, passagens aéreas e até material esportivo.

Parcerias. Na avaliação de Pousada, a internet permitiu que a Saraiva avançasse mais no processo de diversificação. Um dos motivos é que a empresa não precisa gerenciar o estoque de uma nova categoria de produtos. A entrada nos novos segmentos é feita por meio de parcerias. Os tênis e camisetas de time vendidos na loja Saraiva Esportes, por exemplo, são do portfólio da Netshoes, líder no varejo online esportivo. As passagens aéreas são da Viajanet; as assinaturas, da Editora Globo; e os cursos, da Cresça Brasil.

"É uma estratégia acertada. A Saraiva adquiriu uma experiência no e-commerce e está levando isso para outros segmentos", afirma o diretor da consultoria Mixxer, especializada em varejo e bens de consumo, Eugênio Foganholo.

Além da otimização do canal de vendas online, a Saraiva vem apostando fortemente na diversificação de produtos há anos, inclusive nas lojas físicas. O processo começou em 2005, com a oferta de itens de informática e chegou recentemente ao tablet. "Somos os principais vendedores de iPad no Brasil", diz Pousada.

A empresa já tem um aplicativo para o iPad do seu leitor digital, mas deve ir além. "Se você olhar a Barnes & Noble, por exemplo, ela já vende o tablet dela. E foi aí que a gente pensou: esse é um mercado que podemos participar", diz. Questionado se a Saraiva planeja lançar seu próprio tablet, Pousada desconversa. "Não posso contar. Poderíamos lançar um dia, mas não temos planos para sair agora."

As principais livrarias concorrentes da Saraiva também avançam na diversificação, mas de forma mais tímida. As livrarias Cultura e a da Vila, por exemplo, têm se destacado na estratégia de investir em lojas aconchegantes - a ideia é que o ato de comprar um livro seja também uma atividade de lazer. A Saraiva também aposta nesse modelo desde 1996, quando criou o conceito de Megastore. "Mas certamente a experiência geral na loja da Saraiva é menos intensa do que na da Vila ou na Cultura", diz Foganholo. Para ele, isso mostra que a empresa está apostando mais na migração das vendas para o mundo virtual do que as concorrentes.

Apesar dos avanços na diversificação do portfólio, a venda de livros ainda é o principal negócio da Saraiva. Mas esse cenário vem mudando. No ano passado, o produto respondeu por 49% das vendas da Saraiva, menos do que os 54% que representava em 2009. "O mercado de livros cresce, mas os outros produtos crescem mais", diz Pousada.

Esse movimento não é uma exclusividade das lojas da Saraiva. Segundo estimativas do professor Claudio Felisoni, presidente do conselho do Programa de Administração do Varejo (Provar/Ibevar), o mercado editorial, no qual os livros estão incluídos, cresceu 44% abaixo da média do varejo entre 2003 e setembro deste ano. Já a categoria que inclui produtos de informática e material de escritório, por exemplo, cresceu 138% acima da média do comércio em geral.

"Não dá mais para vender só livros hoje", diz Felisoni. "A Saraiva está percebendo uma mudança no comportamento de consumo nesse segmento e faz uma diversificação acertada."

Concorrentes. Mas, junto com a oportunidade de aumentar a receita ao entrar em novos segmentos, a Saraiva também amplia seu leque de concorrentes. Se, na área de livros, concorre diretamente com as livrarias Cultura e da Vila, no mercado de eletrônicos, por exemplo, enfrenta gigantes do varejo como Casas Bahia, Magazine Luiza e Walmart.

"Não existe oportunidade sem risco", diz Felisoni. As novas concorrentes também tentam pegar o mercado de livros. Walmart, Ponto Frio e Submarino, por exemplo, oferecem o produto. "É um concorrente. Mas se alguém está lendo livro no Brasil, é bom para a Saraiva. Porque esse cliente pode voltar para a nossa loja", diz Pousada.

Se a Saraiva ensaia uma competição com as redes brasileiras, pode enfrentar um outro desafio muito em breve. Há rumores no mercado de que a gigante americana Amazon, um das principais referências no e-commerce e no mercado de livros, planeja operar no Brasil. Quando a Amazon chegar, a Saraiva estará pronta para competir, segundo Pousada. "A Saraiva não quer ser a Amazon. Ela quer ser a Saraiva, que é líder no mercado brasileiro de informação".  

TRÊS RAZÕES PARA...

A Saraiva se diversificar

1 As vendas de livros crescem em ritmo menor do que a média do varejo. A Saraiva pode oferecer produtos que vendem mais.

2 A Saraiva possui uma carteira de clientes ativos de 1,8 milhão na sua loja virtual. Ela pode usar a marca para vender produtos de outras varejistas.

3 Parte dos livros de papel deve migrar para o mercado digital. A empresa precisa depender menos da venda de livros para não encolher.

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