jornal DCI 29/06/2011 - Camila Abud, Bruno Cirillo e Isabella Holanda
Em uma jogada de mestre, que pode inclusive ser vista como a maior sacada da história do varejo brasileiro, o empresário Abílio Diniz arriscou todas as fichas na ação de levar a bandeira criada por sua família, o Grupo Pão de Açúcar (GPA), para a internacionalização de seus negócios, inclusive com apoio financeiro, e que apoio, do governo brasileiro, e de uma instituição financeira privada, ter um investimento de mais de R$ 4,528 bilhões para se unir ao Carrefour, em uma das estratégias que pode colocá-lo, sem medo, na categoria de um dos maiores gênios da raça no comércio varejista nacional.
O empresário deu um verdadeiro xeque-mate no seu sócio francês Casino, ao ganhar os holofotes com a negociação que, ao se unir ao seu arquiconcorrente, o grupo vice-líder no varejo brasileiro Carrefour, que vinha apresentando problemas financeiros na Europa, poderá levar o empresário Abilio Diniz a se tornar o maior acionista individual (pessoa física) do segundo maior grupo varejista do mundo.
Para o negócio, seria criada uma empresa chamada Novo Pão de Açúcar (NPA), que seria a dona do atual Pão de Açúcar e teria pelo menos 11,7% do Carrefour francês. Essa participação lá fora poderia ser elevada a até 18%. Além disso, o próprio Abilio passaria a ter 16,9% do NPA (sendo 10,5% diretamente e 6,4% por meio da holdingWilkes - controladora do Grupo Pão de Açúcar), o que lhe daria 2% das ações imediatamente do Carrefour global e talvez até 3% em 2013.
Analistas de mercado consultados pelo DCI, afirmam que para fazer frente à grande concorrência gerada pela criação do NPA, o mercado aguarda a possibilidade de novas fusões e aquisições. "Certamente a fusão entre Carrefour e Pão de Açúcar [se realmente acontecer] vai gerar uma ameaça na concorrência, já que vai concentrar fatia considerável do mercado. É provável que para não perder musculatura outras redes se unam, para aumentar a consolidação e fazer frente ao Pão de Açúcar", aponta o analista financeiro Christian Majczak, sócio da Go4! Consultoria de Negócios.
Segundo o especialista será difícil competir com a nova empresa, por isso a concorrência também poderá investir em nichos localizados nas cidades do interior ou em bairros onde o peso das duas redes não seja tão significativo. Outro efeito da fusão, na visão do professor Rogério Sobreira, professor da Escola Brasileira de Administração de Empresas da FGR/Rio, refere-se ao impacto direto na formação dos preços e piora na cadeia competitiva para consumidor final, ocasionado pela grande concentração. "Diria que se não houver regras claras nesse processo de fusão, a nova empresa passará a ditar os preços do mercado, podendo haver ainda menor redução futura dos preços dos produtos", observa o especialista.
O impacto atingirá especialmente os consumidores da Região Sudeste, área geográfica que concentra a maior parte das empresas dos dois grupos. Sobreira também compartilha a opinião de que haverá uma grande movimentação de fusões e aquisições no mercado, e o processo deverá ser iniciado na Região Sudeste. Outras regiões do País, porém, tenderão a acompanhar essa dinâmica, havendo a possibilidade de cadeias locais serem engolidas por empresas maiores.
Embora reconheça que a competição será mais difícil para as médias e pequenas redes de São Paulo, o presidente da Associação Paulista de Supermercados (Apas) João Galassi entende que não haverá mudanças significativas no setor. "Há mais de 14 anos a concorrência está nas mãos de empresas internacionais, que concentram 40% do mercado. Nesse período, as empresas apenas mudaram de mão, mas ainda há muito espaço para competir. O Brasil está crescendo muito o e o setor varejista acompanha essa tendência" crê Galassi.
Questionamentos
Eduardo Coutinho, professor de Finanças e coordenador do curso de Administração do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec), também levanta questionamentos sobre a injeção de 2 bilhões de euros (R$ 4,528 bilhões) para a criação da nova empresa, oriundos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Na sua análise, embora essa seja uma tendência que já se observa no mercado ao longo desta década - e da qual o BNDES volta a participar ativamente - a capitalização da nova empresa (NPA) com recursos do governo, a custos muito baixos, tem poder de gerar distorções no mercado. "A discussão é de natureza política. Porém, não deveria ser papel do governo interferir nessas questões. É evidente que o banco vai eleger segmentos tidos como 'líderes do mercado' para aplicar seus recursos", pondera.
Acusações
A proposta de fusão entre o Pão de Açúcar e a operação brasileira do Carrefour foi marcada por acusações entre Abilio Diniz e o Casino. No mesmo dia em que o negócio foi divulgado, Diniz e Jean-Charles Naouri, controlador do Casino, enviaram cartas ao conselho de administração do Pão de Açúcar criticando um ao outro. Naouri disse a órgãos internacionais que a situação era de se "lamentar", principalmente pelo fato de que Abílio iniciou negociações "secretas e ilegais" sobre o futuro da companhia sem seu consentimento.
Em resposta, Abílio disse estar com a "consciência tranquila" e acusou Naouri de recusar o diálogo, já que não teria sido recebido pelos executivos do Casino eme sua viagem à França, nesta semana. A negociação com o Carrefour fez com que o Casino acionasse Abílio em um tribunal de arbitragem para dar explicações. O processo entre os sócios é visto como último recurso e mostra que a situação entre eles está fragilizada ainda.
Oficializar operações
O mercado brasileiro esteve ontem em polvorosa com a notícia de que a Companhia Brasileira de Distribuição (CBD) havia divulgado fato relevante contendo a proposta de fusão das operações do Pão de Açúcar com o Carrefour com mais detalhes em relação ao que foi divulgado na França pelo Carrefour e na entrevista à imprensa concedida pela gestora Estater e o banco BTG Pactual. Conforme já divulgado o aporte dos novos sócios somará R$ 4,600 bilhões (ou cerca de 2 bilhões de euros), sendo R$ 3,910 bilhões do BNDES e R$ 690 milhões do BTG. A operação de fusão ainda terá de ser submetida à aprovação dos acionistas envolvidos, mas até 7% das lojas dos dois grupos que estiverem muito próximas poderão ser fechadas ou transferidas para outra região.
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