11 de out. de 2011

PREFEITURAS QUE CONTRATARAM VISA VALE SEM LICITAÇÃO NA MIRA DO TCE E DO MP

jornal O Estado de S.Paulo 02/10/2011 - David Friedlander

Dezenas de prefeituras do interior de São Paulo deram contratos sem licitação à administradora de vale-refeição Visa Vale, empresa do Banco do Brasil (BB) e do Bradesco. Boa parte desses negócios foi intermediada pelo BB, que tinha um parecer de seu departamento jurídico para embasar a dispensa de concorrência pública.

Essas transações agora estão sendo questionadas pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) e pelo Ministério Público (MP) paulista. Para evitar a licitação, os municípios empacotaram operações que chegam a movimentar milhões de reais como se fossem contratos de no máximo R$ 8 mil, que não precisam passar por concorrência.

As prefeituras contrataram a Visa Vale para administrar os cartões magnéticos que seus funcionários usam nos pagamentos em restaurantes e supermercados. É um filão muito disputado pelas empresas do setor. Em geral, prefeituras e órgãos públicos escolhem os fornecedores por meio de concorrência, seguindo a Lei de Licitações. O TCE e o MP já intimaram vários municípios a explicar por que pularam a regra no caso da Visa Vale.

Essas operações devem movimentar pelo menos R$ 40 milhões este ano, segundo é possível apurar no Portal do Cidadão, site do TCE em que os municípios registram suas prestações de contas. A Visa Vale foi contratada com dispensa de licitação por mais de 30 municípios, além de Câmaras de Vereadores e órgãos municipais.

Procurada, a administradora enviou nota para dizer que segue a Lei de Licitações e é uma empresa ética e transparente, mas não quis dar explicações.

Apoio. A Visa Vale teve apoio da rede de agências do BB para atrair as prefeituras. Bradesco e Banco Real, que foi sócio da administradora até ser vendido ao Santander, também captaram clientes, mas nenhum foi tão agressivo quanto o BB.

O banco apresentava o produto aos municípios e encaminhava os negócios. Ganhava comissão por isso. Para dar respaldo às operações, o BB tinha um parecer produzido pela área jurídica a pedido da diretoria de Varejo. O parecer dizia ser possível contratar a Visa Vale sem licitação.

O Banco do Brasil nega ter usado o documento para incentivar prefeituras a contratar a Visa Vale sem concorrência. "Não há, em hipótese alguma, orientação para que a força de vendas do BB utilize pareceres jurídicos internos como ferramenta de negociação com prefeituras. São documentos emitidos para uso interno do banco", afirmou a empresa, em nota.

Mas, em Bragança Paulista, que teve problemas com o TCE por causa da Visa Vale, o documento do BB aparece como peça de sustentação para a contratação. "O Banco do Brasil veio aqui, o gerente assinou a proposta, tinha o parecer mostrando. que a legislação permite, a gente imaginava que estava coberto", disse o secretário de Administração, Marco Antonio Marcolino.

O centro da polêmica está na definição do valor dos contratos: deve-se contar o valor total do benefício, que pode movimentar milhões de reais, ou apenas a taxa de administração da empresa, que não passa de R$ 8 mil? Nesse caso, a operação se enquadra numa regra que prevê dispensa de licitação nos contratos abaixo desse teto.

O Estado conversou com as prefeituras de Bragança Paulista, Americana, Jacareí, Cruzeiro, Cerquilho, Capela do Alto e Castilho - apenas Osasco, dona do maior contrato de todos (R$ 2 milhões por mês), não quis dar informações.

Todos os outros afirmam considerar como contrato apenas a taxa de administração, já que o dinheiro dos benefícios vai direto para os cartões dos servidores. Como a Visa Vale geralmente não cobra a taxa - ou cobra menos de R$ 8 mil -, não fizeram licitação.

Os concorrentes dizem que o argumento seria uma manobra para escapar da Lei de Licitações. Alegam que a taxa de administração é a parte menos importante do negócio e que as administradoras ganham dinheiro mesmo é com as comissões de 2% a 4% cobradas dos restaurantes e supermercados onde os servidores usam os cartões.

"Além de ser uma imposição legal, a licitação possibilita a escolha mais vantajosa para a prefeitura", afirma Fabrício Cobra Arbex, advogado da Sodexo, uma das maiores do ramo nó País. "O que a gente pede é um processo justo", diz Nicolas Veronezi, diretor da Verocheque, que entrou com uma representação contra a prefeitura de Limeira no MP. A Sodexo entrou com 39 representações no TCE e no Ministério Público.

Irregular. No único caso julgado pelo TCE até agora, o de Bragança Paulista, a dispensa de licitação foi considerada irregular.

Em 2006, o município fechou com a Visa Vale um contrato de R$ 978 mil pelo período de cinco meses - que vinha sendo prorrogado ano após ano. A prefeitura não fez concorrência, alegando que a Visa Vale tinha taxa de administração de R$ 5 mil - portanto, abaixo do limite.

O TCE não aceitou o argumento: "Atribuir à contratação o valor de R$ 5 mil, quando se estimam dispêndios totais de R$ 978 mil, é iniciativa desconectada da realidade, vil tentativa de mascarar os fatos", escreveu em seu voto o conselheiro Edgard Rodrigues, relator do caso.

A prefeitura recorreu da decisão, mas na semana passada fez licitação para substituir a Visa Vale, depois de cinco anos com ela. Participaram 13 empresas. Ganhou a Usicard, que, além de não cobrar taxa de administração, ofereceu desconto de 8,01% sobre os R$ 800 mil mensais que o município vai desembolsar com os cartões. Uma economia de R$ 64 mil por mês.

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