jornal Valor Econômico 26/09/2011 - Marcelo Mota
Leo Pinheiro/Valor/Leo Pinheiro/Valor
Gonçalves, presidente da Losango, um craque da retórica: "Nós não buscamos emprestar dinheiro, buscamos ajudar o consumidor a realizar o seu sonho"
Comprada em 2003 por US$ 815 milhões do Lloyds pelo também britânico HSBC numa disputa acirrada entre grandes nomes do varejo brasileiro, a Losango pode voltar à prateleira. O presidente mundial do grupo HSBC, Stuart Gulliver, em entrevista ao Valor na semana passada, deixou a porta aberta. Não confirmou nem desmentiu rumores de que na revisão de portfólios na América Latina, esse seria um ativo de que poderia dispor. O executivo preferiu enaltecer a lucratividade do negócio. Mas admitiu que se ele não se encaixar nos critérios do grupo, que começa a voltar as baterias da área de varejo para a alta renda, o bom retorno que oferece deixa de ser razão para apego e se torna um atrativo a mais na venda.
Voltada para o financiamento ao consumo, que não dá sinais de arrefecimento, a Losango, se negociada, não teria seu valor tão descontado. Última marca remanescente dentre as vedetes do crédito popular, ponta de lança para o aumento da oferta na segunda metade dos anos 90 até o fim da década passada, a Losango teve sua autonomia preservada pelo HSBC. Suas principais concorrentes no passado recente -- Fininvest, do Itaú Unibanco, e Finasa, do Bradesco - não resistiram à expansão de outras modalidades de crédito. Tiveram suas operações diluídas nas áreas de varejo dos respectivos bancos.
Além de preservar a marca, a Losango manteve operação e até presidente próprios. Seu quartel general, também apartado do controlador, é pitoresco: fica no prédio construído para abrigar a Bolsa do Rio. Onde antes havia o pregão, ocupado por operadores e pelos leilões de privatização, agora está sua central de atendimento, pela qual trafegam 500 mil ligações por mês.
Do outro lado da linha, no lugar das mesas de operações e as nervosas ordens de compra e venda de ações, comerciantes em busca de serviços financeiros que deem impulso às vendas. Seus intrépidos funcionários ainda se autoproclamam "guerreiros". Encontram motivação nas menores conquistas e, sempre que instados a falar de seus desafios, os apregoam com vigor, fiéis à cartilha do varejo americano, que se desenvolveu sob a inspiração da doutrina protestante.
Mas algumas das práticas consagradas nos tempos de competição ferrenha com as outras financeiras foram abandonadas. Seu pessoal já não é visto distribuindo panfletos nas regiões centrais das metrópoles brasileiras e os executivos mal conseguem disfarçar o desconforto a cada vez que o termo "financeira" é pronunciado. O nome remonta à imagem desgastada pelo empréstimo pessoal, que, se cumpriu o papel de ajudar a expandir as fronteiras do crédito, também deixou marcas na inadimplência e virou sinônimo de juro alto. A prática agora é deixar claro que a Losango é uma promotora de vendas.
"Nós não buscamos emprestar dinheiro, buscamos ajudar o consumidor a realizar o seu sonho", diz Hilgo Gonçalves, presidente da Losango e um craque da retórica grandiloquente que alimenta o ânimo dos "guerreiros". Nos primeiros oito meses de 2011, a Losango financiou R$ 3 bilhões em compras.
No início de setembro, quando falou ao Valor, Gonçalves ainda planejava financiar mais R$ 2 bilhões até o fim do ano. Se as festas forem polpudas, talvez meio bilhão a mais, o suficiente para alcançar os R$ 5,5 bilhões que previa no início do ano, com crescimento de 20% sobre o financiado em 2010.
O descompasso em relação à previsão inicial foi efeito da ressaca pela euforia do consumo no fim do ano passado, que resultou em mais inadimplência e levou o Banco Central a agir para conter a inflação. "Sofremos as medidas restritivas do início do ano", contou o presidente da Losango, referindo-se ao aperto monetário encerrado na última reunião do Comitê de Política Monetária, com um corte de meio ponto percentual na taxa básica, agora em 12% ao ano.
Refeita do susto, com a inadimplência novamente abaixo dos 6%, a Losango partiu em campo novamente. Do par de bilhões previstos até dezembro, metade se destinaria a financiar o pequeno varejo, que corresponde hoje a cerca de 60% da carteira e de onde sai aproximadamente a mesma proporção do resultado. Ao todo, são mais de 23 mil lojas em cadastro, por todo o país, 15 mil das quais com ao menos um contato por mês. Parte dos negócios também vem dos cartões emitidos com marcas varejistas. Em 31 parcerias, a Losango soma mais de 2,5 milhões de cartões emitidos.
É dessa pulverização que, crê Gonçalves, vem a sustentabilidade do negócio. Nas estimativas dele, a Losango responde hoje por pouco mais de 10% do resultado bruto do HSBC Brasil, que no primeiro semestre deste ano foi de R$ 862 milhões.
Cerca de um quarto da carteira vem do casamento com a Máquina de Vendas. A maior parte é construída amiúde, junto a pequenos estabelecimentos, no máximo médios. Segundo Gonçalves, com os serviços financeiros oferecidos pela Losango, mesmo uma loja com R$ 50 mil de faturamento mensal pode oferecer até 36 meses para pagar.
O valor médio dos empréstimos é de R$ 900, mas esse tíquete aumenta muito em um segmento criado há dois anos. Nessa linha, chamada de "Premium", a Losango financia compras bem mais vultosas, como uma montagem de uma cozinha requintada, a um custo da ordem de R$ 50 mil. Nessa frente, a Losango projetava para 2011 conceder R$ 500 milhões em empréstimos.
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