revista Valor Financeiro Maio 2011 – Guilherme Meirelles
Já foi o tempo em que o interessado em contratar um seguro era obrigado a procurar um corretor ou dirigir-se a uma agência bancária para falar com o gerente. Desde o início da década passada, as principais redes varejistas firmaram parceria com seguradoras para a venda, principalmente, de produtos massificados. O que antes era uma atividade restrita a companhias com expertise no ramo tornou-se atraente até mesmo para aquelas seguradoras que habitualmente tinham como único canal de distribuição o corretor.
Alguns dos principais players desse ramo são companhias pouco familiarizadas com o público em geral. Não estão presentes na mídia e não se preocupam com ações de marketing. Para elas, quem tem de botar a cara é o cliente. Com um faturamento global de US$ 3 bilhões, a Assurant Solutions tem em seu braço brasileiro uma das principais seguradoras no ramo de massificados. A Assurant comercializa mais de dez produtos massificados em parceria com as redes Ricardo Eletro, Quero-Quero, Eletroshopping e Eletrozema em praças consideradas estratégicas.
Os produtos variam conforme a região. Basicamente, são seguros de proteção financeira, acidentes pessoais, contra roubo e furto de celular e garantia estendida. No Brasil, movimentaram R$ 291,6 milhões em prêmios em 2010. Segundo Cássio Stavale, vice-presidente da Assurant, foram registrados cerca de 10 milhões de operações em 2010, voltadas para público das classes C e D.
Em linhas gerais, uma operação de venda de seguros ocorre entre a seguradora, a corretora e o varejista, que precisa ter uma financeira instalada dentro da loja. Cabe ao corretor fazer o contato entre as partes e formatar o modelo a ser apresentado. Uma vez acertados os ponteiros, o corretor acerta a sua forma de comissão, bem como a do varejista, que estará emprestando seu espaço, e dos vendedores que irão oferecer os seguros aos clientes da loja. Tanto a seguradora como as corretoras orientam os vendedores para que eles expliquem de forma precisa como funcionam os variados seguros aos clientes. Por sua vez, os varejistas estimulam a equipe interna de vendas com prêmios ou bônus, dependendo da rede.
A prática mais comum é o varejista receber um pró-labore da seguradora e usar a verba em ações internas de comunicação, destacando o seguro como um item a mais para os vendedores se empenharem com a clientela. O consumidor mais atento pode prestar atenção em um detalhe quando for pechinchar na próxima compra. Em determinado momento, quando estiver negociando com o vendedor, perceba quando surgir um sinal de "menos" na tela. É que a partir daí a loja está tendo prejuízo na venda, mas que poderá ser compensada caso o vendedor consiga lhe vender uma garantia estendida.
A venda de seguros ajuda também o varejista a fidelizar o cliente, principalmente em regiões mais afastadas, nas quais boa parte da população não possui conta em banco e opta pelo velho e bom carnê, pago religiosamente todo mês no balcão da loja.
"É uma forma interessante para a seguradora porque ela vende produtos que não seriam comercializados no mesmo volume em outros canais. No varejo, embora o valor da compra não seja grande, dá para fazer no volume uma forma de dinheiro", afirma o economista Lauro Vieira de Faria, assessor da diretoria da Escola Nacional de Seguros (Funenseg). "É bom também para o cliente, que sai da loja com sua compra protegida, e para o varejista, que amplia o seu leque de produtos. O pequeno e o médio varejista contribuem para a popularização do seguro", afirma Paulo Kudler, gerente comercial da corretora Marsh, especializada em massificados.
A venda no varejo está atraindo até mesmo quem não tem tradição de operar nessa área, como a Porto Seguro. Há quatro anos, a seguradora iniciou uma parceria com a Lojas Renner, segunda maior cadeia do varejo em vestuário. Segundo Luiz Pomarole, vice-presidente de produtos massificados da Porto, a parceria conta com a presença permanente do corretor, que orienta os funcionários da rede na hora da venda. No primeiro trimestre, a divisão gerou faturamento de R$ 15,3 milhões, com 28,2 mil contratos ativos, 16,8% a mais que em igual período de 2010.
A Lojas Renner oferece três tipos de seguro: um de proteção financeira, com quitação de crédito em caso de morte acidental, desemprego ou invalidez; outro de acidentes pessoais, com parcelas mensais de R$ 7,22; e uma versão de seguro residencial voltada para o público de baixa renda, com teto de cobertura de R$ 52 mil para incêndio, raio, explosão e pagamento de aluguel, além de sorteio mensal de R$ 50 mil, no qual o segurado paga 11 parcelas de R$ 11,98.
Algumas parcerias sobrevivem há anos no mercado, como a da rede Riachuelo com a seguradora Zurich e com a corretora Classic, que desde 1998 opera com proteção financeira. Em certos casos, a afinidade torna-se até natural, como entre a seguradora Cardif, do banco BNP Paribas, e a rede Carrefour, com a qual o banco firmou uma joint venture. "O Carrefour é nosso parceiro global", afirma Alexandre Boccia, presidente da Cardif. Além do varejo, em que atua em conjunto com a rede Magazine Luiza, a Cardif participa de operações com financeiras e cartões de crédito, entre outros canais de distribuição de seguros.
O Carrefour comercializa seis modalidades distintas de seguro, que incluem proteção financeira, residencial e um produto especial para veículos, que cobre apenas roubo e furto. Segundo o Carrefour, os vendedores "são capacitados para esclarecer dúvidas, fornecer informações detalhadas sobre os serviços e orientar no que for necessário. As campanhas de incentivo aos colaboradores da empresa abrangem diversas premiações".
As principais redes varejistas também oferecem a seus clientes uma modalidade que ganhou força no mercado de seguros a partir de 2003: o seguro-prestamista, que, simplificadamente, oferece uma garantia contra eventual inadimplência. Em casos extremos, como a morte do contratante, a dívida fica quitada para família e a financeira recebe da seguradora. Os números da Susep não deixam dúvidas do sucesso do produto. Em 2003, o ramo prestamista teve prêmios diretos de R$ 227,2 milhões No ano passado, os prêmios atingiram R$ 3,4 bilhões, um crescimento de praticamente 1.400%. Apesar das recentes medidas de restrição ao crédito, sem dar sinais de queda. No primeiro trimestre, os prêmios diretos foram da ordem de R$ 1 bilhão, alta de 32,7% ante mesmo período de 2010.
Por ser uma forma de seguro diretamente ligada à oferta de crédito, as seguradoras que fazem parte do setor bancário acabam tendo mais acesso ao contratante. Os clientes da Caixa Econômica Federal (CEF) podem contratar na própria agência o seguro Dívida Zero. O seguro tem parcela única de R$7,23 para empréstimo de R$ 1 mil, a ser quitado em seis meses. O seguro protege em caso de morte e invalidez permanente e é voltado para as classes C, D e E.
A Itaú Seguros também oferece o seguro-prestamista aos clientes Itaú Unibanco e atua ainda em operações externas com financeiras, redes de varejo, empresas de cartões de crédito, construtoras e operadoras de consórcios. Segundo o diretor Dennys Rosini, o ramo tem crescido de forma contínua, e os índices de sinistralidade se mantêm estáveis, em torno de 25%, com exceção de 2009, quando houve um aumento no índice de desemprego entre determinadas camadas da população.
O ramo prestamista está em alta nas operações da Bradesco Seguros. Em 2008 representava 15,79% da carteira da companhia, e no ano passado saltou para 22%. Além de morte e invalidez, o produto oferece cobertura de seis parcelas em caso de desemprego. O seguro é oferecido também em compras online por meio de parceiros. Ainda neste semestre, o Bradesco deve lançar uma cartilha sobre a importância de ter proteção financeira voltada para as classes C, D e E.
Especializada em seguros massificados, a seguradora francesa Cardif não se limita a atender a população de baixa renda. A companhia atua em operações de proteção financeira com algumas das principais montadoras instaladas no país, como a Renault e a Volkswagen. O seguro quita o saldo devedor em caso de morte e salda entre três e seis parcelas em situação de perda de emprego. Segundo Alexandre Boccia, há cerca 1 milhão de contratos vigentes nessa divisão. Ele acredita que o ramo de proteção financeira para autos cresça entre 15% e 20%.
Atraente para todas as partes envolvidas, o seguro de proteção financeira exige certos cuidados. O seguro não cobre parcelas em atraso. Há ainda uma carência de 15 dias para casos de invalidez ou de perda de emprego. Ainda na área trabalhista, não são considerados os casos de programa de demissão voluntária. É preciso também responder a um pequeno questionário, no qual consta se o pleiteante possui problemas preexistentes de saúde. Entidades de defesa do consumidor alertam sobre a forma como o produto é oferecido no varejo; não pode ser passada a ideia de que se trata de uma venda casada.
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