jornal Valor Econômico 23/05/2011 - Fernando Travaglini
O sistema financeiro não enfrenta problemas em nenhum dos seus segmentos e no curto prazo devem nascer mais bancos do que morrer. A visão é do diretor de Fiscalização do Banco Central (BC), Anthero Meirelles, que concedeu entrevista ao Valor. Segundo ele, há uma fila de 20 bancos aguardando autorização de funcionamento, incluindo instituições locais e estrangeiras.
Mesmo com um processo de consolidação dos bancos pequenos e médios em andamento que, diz ele, é uma consequência natural da crise de 2008, o Brasil deve ter, daqui alguns anos, mais bancos do que tem hoje. "Não vejo no horizonte um movimento de concentração".
Os sete maiores bancos respondem por 81% dos ativos do sistema financeiro, enquanto as 36 instituições caracterizadas pelo BC como médias ficam com 16% do total. Os 95 restantes têm 3% do total. A divisão permaneceu praticamente estável nos últimos trimestres, diz. "Esse é um nível de concentração normal na indústria bancária".
Ele reconheceu, no entanto, que os menores terão que "adaptar suas estratégias" e reforçar suas estruturas de capital para enfrentar a nova realidade de mercado financeiro. Para isso, a saída encontrada foi a associação com outras instituições, processo em andamento e que pode incluir até mesmo parceria com estrangeiros. "Há alguns negócios em curso, consequência dessa mudança estrutural da indústria bancária", diz Meirelles, responsável por monitorar o bom funcionamento do sistema financeiro.
Neste ano, dois bancos apresentaram problemas. O Morada, hoje sob intervenção do BC, e o Schahin, comprado pelo BMG. Segundo Meirelles, além do impacto negativo da crise, que trouxe dificuldades de liquidez, houve recentemente o caso PanAmericano, que colocou em cheque a principal fonte de recursos (funding) dos bancos médios: a cessão de carteira.
O diretor avalia que a prática de originar e ceder parte da carteira de crédito, que hoje representa cerca de 5% do estoque de empréstimos do sistema, tem sido questionada no mundo todo, pois a instituição financeira abre mão de parte importante do lucro. Segundo ele, os bancos podem usar o instrumento, mas eles não podem depender apenas dele para se capitalizar. "Esses bancos (pequenos e médios) precisam aumentar o capital para poder reter parte do crédito que eles originam. É isso que vemos nesse movimento de consolidação".
O diretor disse que o mais importante para as instituições de pequeno e médio portes é reforçar as estruturas de capital. "Alguns bancos precisam adaptar suas estratégias para ficar mais rentáveis e sustentáveis no longo prazo. Se têm passivo caro e ativo menos rentável, no médio e longo prazo podem ter dificuldade", afirma.
A capitalização do sistema é considerada "boa", mesmo entre os médios, que possuem índice de Basileia de 15,6%. O índice de Basileia do sistema é de 16,9% e todos os segmentos possuem capital de nível 1 acima de 11%. Ele acredita que a adaptação aos padrões de Basileia 3 (regras criadas no pós-crise) não deve trazer dificuldades. "Pelas nossas contas, os poucos bancos que precisam fazer ajustes têm plenas condições de se adaptar apenas retendo mais resultado."
O fato de o Brasil ter passado pela crise sem quebras de bancos também foi ressaltado pelo diretor. Como lembra Meirelles, as autoridades financeiras de países como Espanha e Estados Unidos estão até hoje tentando solucionar os problemas originados há cerca de três anos. "No Brasil, a indústria passa por uma transformação, com consolidação e mudança na estrutura de segmentos, mas esse é um movimento que o próprio mercado está promovendo. Não é articulado pelo BC."
As palavras de Meirelles deixam transparecer que o BC não vê com preocupação o atual processo de consolidação dos bancos médios. "Determinados nichos que não despertavam interesse dos grandes bancos, passaram a atrair essas instituições, como o financiamento de veículos e o crédito consignado. Há uma mudança estrutural e as forças competitivas estão se alterando. É normal que a uma mudança dessas sigam-se movimentos de consolidação. Bancos que não estavam bem buscam mudar seu modelo. Consolidação e mudanças, ainda mais após uma crise como a de 2008, são normais", diz.
Segundo ele, o processo é seguido de "perto" pelo BC, pois o resultado final é "importante" para o sistema, mas não há interferências. "Nós acompanhamos, mas não são movimentos que precisem ser orquestrados pela autoridade financeira, como é o caso dos EUA, Espanha e de outros países europeus", ressaltou.
Ele também negou que haja problemas que afetem o sistema financeiro. "O sistema é bastante sólido. Não temos nenhum problema localizado em segmentos. Evidentemente que a indústria é dinâmica e é normal que tenhamos casos isolados de instituições em situação especialmente boa e outras em situação um pouco pior. O Morada estava em situação ruim. Mas em termos do sistema ele era quase desprezível, representando menos de 0,01% dos ativos", diz.
Antes diretor de Administração, Meirelles assumiu a nova função no início do ano. Neste mês, a diretoria de Fiscalização sofreu uma série de alterações -- dentro de uma reforma ampla das áreas internas do BC -- e não cuida mais dos processos punitivos, que passou a ser responsabilidade da diretoria de Organização do Sistema Financeiro. Com isso, o departamento pode se concentrar somente na fiscalização e no monitoramento do sistema, sendo responsável apenas pela instalação dos processos punitivos, avalia Meirelles.
Nenhum comentário:
Postar um comentário