jornal Valor Econômico 17/06/2011 - Ana Lúcia Moura Fé
Está em curso uma revolução capaz de mudar radicalmente as formas de distribuição e consumo de serviços bancários. À frente do movimento está o próprio consumidor. Familiarizado com novas tecnologias, ele se torna menos disposto a aceitar que tarefas bancárias sejam algo naturalmente complicado.
Essa mudança de comportamento e a evolução da tecnologia levarão a um salto paradigmático nas relações entre bancos e clientes. A instituição que não se adaptar se tornará irrelevante.
É o que disse ao Valor nesta entrevista o australiano Brett King, antes de viajar ao Brasil para participar do Ciab Febraban. King é autor do livro "Bank 2.0: How Customer Behavior and Technology Will Change the Future of Financial Services" (Banco 2.0: como o comportamento do consumidor e a tecnologia mudarão o futuro dos serviços financeiros) e o principal executivo da consultoria User Strategy. Ele detalha a seguir suas ideias:
Valor: Em seu livro "Bank 2.0" o senhor diz que ocorre uma espécie de revolução do cliente sem que os bancos percebam.
Brett King: A revolução está nas demandas que os clientes fazem aos bancos e na rápida mudança do comportamento nessa área. Para ilustrar, a transferência de dinheiro de um banco no Brasil para outro nos EUA exige que o cliente tenha uma série de informações, como códigos diversos, número de conta corrente e endereço da instituição destinatária. Os consumidores não estão mais aptos a lidar com esse nível de complexidade. Por meio de recursos como PayPal, aplicativos móveis e Facebook, eles sabem que isso não deve ser tão complicado. Mas os bancos argumentam que a complexidade está na "gestão de risco".
Valor: Como essa mudança de comportamento pressiona o setor?
King: Há mais e mais esforços para contornar a ineficiência do atendimento ao cliente bancário por causa de questões relacionadas à experiência do consumidor. No PayPal, o usuário apenas fornece e-mail, endereço ou número de telefone e envia o dinheiro. Na Square, nos EUA, o usuário registra-se no site, baixa um aplicativo e alguns dias depois recebe um dispositivo plástico para ser plugado ao celular. Com isso, o aparelho funciona como terminal de ponto de venda (POS), e o usuário pode aceitar pagamentos com cartão de crédito. Um banco não pode competir com isso para habilitação comercial. Aqueles que não acompanham se tornam irrelevantes para os clientes.
Valor: Quais canais sobrevivem?
King: Com a digitalização de artefatos físicos como cheques e cartões de crédito não serão os canais de distribuição existentes que irão sobreviver. Em quase todos os casos em que essas mudanças ocorrem, novas empresas despontam como líderes em seu campo. Tome como exemplo os setores editorial, de filmes e de música. Hoje nos EUA a Amazon é o maior distribuidor de livros, a NetFlix é quem vende mais filmes e a Apple mais músicas.
Valor: De que forma o celular inclui pessoas no sistema bancário?
King: O celular vai mudar o acesso a serviços bancários em todo o mundo. No Quênia e nas Filipinas, sistemas móveis de pagamento e transferência de dinheiro como M-PESA, G-Cash e Smart estão pela primeira vez dando a milhões de indivíduos acesso a serviços bancários. Trata-se de modelo tão diferente, sob a perspectiva de custos, que talvez por isso as iniciativas mais bem-sucedidas de banco móvel em países como Quênia e Filipinas são lideradas por operadores de telefonia, e não por bancos.
Valor: No Brasil, os bancos devem aprender com o consumidor?
King: Os bancos brasileiros, por meio do fenômeno pontocom, foram excepcionais na criação de uma grande experiência online para o usuário. Nessa área, eles realmente lideraram no mundo. Mas com a explosão das aplicações móveis e da mídia social, desenvolvimentos lá fora superaram alguns segmentos do setor brasileiro. O truque é não olhar apenas para outros bancos locais e de outros países, mas também para outros setores.
Valor: Como é o banco do futuro e como o Brasil se insere nisso?
King: São serviços financeiros diariamente, em todo lugar e de maneira simples. Quando você está procurando uma casa, o banco pode fornecer-lhe uma hipoteca no local. Quando você vai escolher um carro, o banco já ofereceu um ótimo empréstimo pessoal ou um leasing em seu celular. Quando faz reserva de férias online, o banco não apenas oferece a opção de pagar com cartão de crédito ou de débito, mas também um bom empréstimo com seguro de viagem. O modelo antigo em que temos de ir ao banco pedir que nos deixe ser um cliente vai desaparecer.
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