31 de mar. de 2011

DÍVIDAS CONSOMEM 24% DO ORÇAMENTO FAMILIAR

portal Correio Braziliense 31/03/2011 - Victor Martins e Gabriel Caprioli

O Banco Central está tomando uma série de medidas para conter o ímpeto do brasileiro por empréstimos e compras a prazo, mas ainda não obteve sucesso. Quase R$ 4 bilhões estão sendo emprestados diariamente no país, ritmo que levou o nível de endividamento das famílias daqui a superar o dos norte-americanos. Enquanto nos Estados Unidos, em média, 18% da renda são gastos para quitar parcelas dos financiamentos (prestações e juros), no Brasil essa relação alcançou 24,2% — cenário que é motivo de preocupação no governo, principalmente quando se lembra da crise mundial, com auge em 2008, gerada pelo superendividamento nos EUA.

A demanda por crédito está tão forte que o total das dívidas das famílias já encosta no R$ 800 bilhões, mesmo com o valor das prestações tendo aumentado 20% desde o início do ano, refletindo a elevação da taxa básica de juros (Selic) e as medidas macroprudenciais baixadas pelo BC. Ciente de que tal movimento é inflacionário e incompatível com a atual correção dos salários, a autoridade monetária quer que o crédito avance 13% ao ano e não 21% como se vê. Mesmo que essa desaceleração se concretize, o BC já vislumbra um salto no calote. Mais famílias não terão condições de honrar seus compromissos em dia.

A situação está tão preocupante que o sempre comedido diretor de Política Econômica do BC, Carlos Hamilton Araújo, fez questão de enfatizar os riscos que as famílias estão correndo. “Quanto maior for o comprometimento da renda, maior será a chance de se deixar uma conta de fora das que serão quitadas”, alertou. Na avaliação dele e de outros técnicos do BC, depois da adoção de medidas macroprudenciais, em dezembro do ano passado, é natural, e aguardado, um movimento de alta na inadimplência. “Tivemos um encurtamento dos prazos e aumento das taxas. Por isso, esperamos uma inadimplência pouco maior.”

Questão social
Os dados compilados pelo BC mostram que, quando se olha para o conjunto dos débitos dos brasileiros, o quadro é ainda mais perturbador. Do total da renda disponível na economia proveniente do trabalho e dos benefícios previdenciários, 40,50% estão comprometidos com dívidas. Ou seja, de cada R$ 100 recebidos por trabalhadores, aposentados e pensionistas, R$ 40,50 vão todos os meses para o pagamento de alguma conta.

“Isso é preocupante, ainda mais em um cenário de elevação dos juros e, ainda que moderado, da inadimplência”, observou Fábio Gallo Garcia, professor de finanças da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo e da Fundação Getulio Vargas (FGV).

O desafio do BC, segundo o professor, é conseguir conter o consumo depois de dar tanta acessibilidade ao crédito a um país onde o desejo de compras estava muito reprimido. “Vivemos, hoje, outra configuração de classes sociais.

As pessoas que antes tinham o básico para sobreviver, agora podem comprar eletrodomésticos, viajar de avião ou navio, tudo parcelado. Ninguém quer abandonar essa vida. Estamos falando de mais de 101 milhões de pessoas que formam a classe C”, argumentou. “Como impedir o consumo desse gigantesco grupo?”, indagou.

A dúvida do professor se reflete nos levantamentos do BC. Apesar de os juros médios cobrados das pessoas físicas terem saltado 4,7 pontos percentuais entre novembro do ano passado e fevereiro de 2011 chegando a 43,8% ao ano — e devem subir ainda mais em março —, o ritmo do crédito não parou. O total das operações livres e direcionadas cresceu 4,9% alcançando R$ 798,8 bilhões. A média diária das concessões de empréstimos e financiamentos às famílias avançou 8,9%.

PIB a 4%

No Relatório de Inflação divulgado ontem, o Banco Central reduziu a projeção para a expansão da economia em 0,5 ponto percentual, de 4,5% para 4% em 2011. Newton Rosa, economista-chefe da Sul América Investimentos, lembrou que estratégia semelhante foi usada pelo ex-presidente do BC Henrique Meirelles. “Em 2005, foi adotada uma meta ajustada. Mas, na época, o motivo era a inércia inflacionária e não os choques de preços”, recordou.

Projeções detalhadas

Depois de debates inflamados acerca do boletim semanal Focus, por meio do qual o Banco Central ouve mais de 100 analistas e instituições financeiras para apurar as expectativas de inflação do mercado, a autoridade monetária decidiu alterar o levantamento. Vai abrir os dados e mostrar separadamente, dentro das expectativas de inflação medida para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), qual é a projeção de bancos, gestores de recursos e demais segmentos. A ideia, segundo o diretor de Política Econômica da instituição, Carlos Hamilton Araújo, é agregar informações à pesquisa. As mudanças serão implementadas primeiramente nas atas do Comitê de Política Monetária (Copom) e nos relatórios de inflação, divulgados a partir do segundo semestre. Posteriormente, no terceiro trimestre, as alterações serão aplicadas também na divulgação semanal.

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