jornal Valor Econômico 20/12/2011 - Katia Simões
O executivo Luiz Guilherme Roncato: "Em menos de um ano de operação, já foram distribuídos 15.000 cartões com a tecnologia Mastercard Mobile"
Não é de hoje que a ideia de transformar o aparelho de telefone celular em um terminal para a realização de todo o tipo de compra seduz não só os fornecedores de tecnologia, mas boa parte dos consumidores. De acordo com o estudo apresentado pela consultoria GS&MD Gouvêa de Souza, 35% dos compradores brasileiros enxergam o mobile payment, ou pagamento móvel, como ferramenta do futuro. Outro levantamento, feito pela consultoria Accenture, em 11 países, com cerca de 1.100 pessoas, destaca, que 70% dos brasileiros altamente conectados manifestam o desejo de pagar suas compras por meio desse canal. Nosso interesse pela ferramenta só é menor do que o dos chineses (76%) e dos indianos (75%).
"Trata-se de um número significativo de simpatizantes do novo canal de pagamento, o que sinaliza que há uma demanda não atendida", afirma Luiz Goes, sócio sênior da GS&MD. O que falta, segundo ele, é a disseminação da cultura não só entre o público final, mas principalmente entre os varejistas e prestadores de serviço. "É tudo uma questão de costume. No começo, pouca gente usava o cartão de débito para transações de pequenos valores; Hoje essa prática já se tornou comum," observa o empresário.
Os próprios operadores do sistema de telefonia celular garantem que, no Brasil, o pagamento móvel ainda está engatinhando - alguns testes foram realizados em meados dos anos 2000, sem retornos satisfatórios. Pelo mundo, porém, já é uma realidade adotada por 141 milhões de pessoas, que deverão movimentar US$ 861 bilhões em compras com pagamento pelo celular neste ano. Trata-se de um volume 75,9% maior do que o do ano passado, segundo levantamento feito pela Gartner, empresa líder mundial de pesquisa de tecnologia da informação.
Na opinião dos especialistas, o que faltou há cinco anos para o pagamento via celular virar realidade por aqui foi uma convergência entre os agentes envolvidos na operação, isto é, entre as operadoras de telefonia, os bancos e as administradoras de cartão de crédito. O que se viu foram tentativas isoladas, aplicadas em algumas regiões do país, sem grande penetração. "A tecnologia adotada naquele tempo dificultava o ganho de escala, porque era preciso ter um celular vendedor que recebesse os pagamentos dos celulares pagadores, que trabalhavam com uma única operadora", observa Gabriel Ferreira, diretor de serviços e produtos da Oi. "Vivíamos um dilema constante: sem muitos clientes era difícil credenciar estabelecimentos e vice-versa". Mesmo assim, o OI Paggo chegou a ter 250 mil usuários e 75 mil estabelecimentos cadastrados, a maioria no Nordeste.
Em 2010, numa aliança com a Cielo, que se tornou sócia da Paggo, o processo começou a se reestruturar e, em 2012, tende a decolar em duas frentes: pagamentos via celular em qualquer máquina da Cielo em operação no país e pagamento via celular por meio do cadastramento do número do telefone no cartão de crédito lançado em uma parceria da OI com o Banco do Brasil. A reestruturação, segundo Ferreira, ampliará a rede de aceitação de pagamentos por meio de celular, que passará de 75 mil para 1,8 milhão de estabelecimentos. "Até janeiro próximo, todas as máquinas da Cielo estarão habilitadas a aceitar a operação. Hoje, apenas 70% delas estão aptas", afirma Massayuki Fujimoto, presidente da Paggo.
Além da habilitação de 100% das máquinas, a Paggo projeta para 2012 a expansão do sistema para profissionais liberais, empreendedores individuais e revendedores porta a porta. "A eles ofereceremos um celular vendedor, com o chip de nossa tecnologia embarcado, capaz de capturar pagamentos de qualquer bandeira de cartão de crédito e de qualquer banco", afirma Fujimoto. O processo é simples e não depende da sofisticação do aparelho. Funciona com o envio da confirmação da compra por SMS, a conhecida mensagem de texto. O envio de dados é criptografado e seguro, segundo o executivo, pois reproduz o mesmo padrão de segurança dos cartões com chip.
Quem também apostou na tecnologia via chip com comunicação por SMS foi a Mastercard que, em parceria com a Vivo, o Banco Itaú e a credenciadora de lojistas Redecard, lançou uma plataforma que permite realizar pagamentos via celular. O sistema foi desenvolvido no exterior e o Brasil é o primeiro país a usá-la.
A Vivo disponibiliza aos usuários um chip que transforma os celulares em cartões de crédito, enquanto o Itaú habilita o número do cartão dentro do chip, a fim de que a transação possa ser feita. Para realizar o pagamento, o cliente abre o aplicativo no celular, digita o código do comércio, o valor da compra, a senha do cartão e a opção débito ou crédito. No mesmo momento o lojista recebe a confirmação do pagamento em seu celular, via SMS. A novidade está sendo testada em São José dos Campos, interior de São Paulo, por 1.300 estabelecimentos cadastrados.
"Em menos de um ano de operação já foram distribuídos 15.000 cartões com a tecnologia Mastercard Mobile", revela Luiz Guilherme Roncato, vice-presidente de Plataformas Inovadoras da Mastercard Brasil e Cone Sul. "Quando o sistema completar um ano de uso, no primeiro trimestre de 2012, conseguiremos fazer um balanço do que deve ser ou não replicado, onde e de que forma é possível expandir esse tipo de pagamento com mais facilidade." O executivo observa que a operação do Mastercard Mobile não está restrita aos atuais parceiros, mas aberta a qualquer banco ou adquirente que deseje operar. "O nosso grande desafio ainda é a aceitação, é provar ao usuário final que a adoção é mais conveniente do que carregar o dinheiro na carteira. Do lado do adquirente, mostrar valor, apresentar os benefícios que a nova tecnologia pode trazer", diz.
Criar uma nova cultura de pagamento é, sem dúvida, o grande desafio de quem investe nesse mercado. Mas esse é um caminho sem volta, garantem os especialistas. "A migração para celulares é tendência para um futuro muito próximo e, cada vez mais, os usuários vão se familiarizar com o móbile payment", afirma Marcos Cavagnoli, vice-presidente do Buscapé Financial Services, responsável pela criação da plataforma de pagamentos on-line DinheiroMail, pioneira na América Latina, que permite ao usuário realizar pagamentos, solicitar cobranças ou checar saldos.
Sistema ainda é pouco conhecido
Apesar da facilidade dos pagamentos com celular, a demanda ainda é muito baixa e falta divulgação entre consumidor final e comerciantes sobre o canal
Inaugurado há oito meses, em um prédio comercial em Alphaville, na grande São Paulo, o Caffe Murano é um dos primeiros estabelecimentos comerciais a aceitar de seus clientes o pagamento da conta do cafezinho ou do almoço pelo celular. "Recebíamos todos os tipos de cartões de débito, crédito e refeições até que a Paggo nos apresentou essa nova modalidade, e decidimos testar", conta Silvia Pozzi, 50 anos, proprietária da cafeteria e bistrô. Para fechar a transação, basta digitar o número do celular do cliente na mesma máquina da Cielo em que são feitos os pagamentos de cartões de débito e crédito. É preciso que o cliente tenha instalado em seu telefone o aplicativo da Paggo - hoje já embutido em todos os novos aparelhos da operadora OI. As informações da compra são enviadas por SMS, confirmando o pagamento. A máquina emite o comprovante.
Em apenas três meses de operação, o sistema de pagamento via celular já responde por 10% das transações realizadas no Caffe Murano: a cada 60 almoços, seis são pagos via celular. De acordo com Silvia, a operação traz benefícios para ambos: o cliente não precisa circular com dinheiro ou cartões, evitando o risco de roubos, e o comerciante tem o pagamento assegurado. "Facilita bastante a vida de quem opera com delivery. A gente recebe o pagamento antecipado, pois só entrega o pedido mediante a confirmação do cliente via celular, e evita que o motoboy circule com dinheiro e troco", reforça Silvia. "Além disso, não tem custo, porque opera na mesma máquina de recebimento dos cartões convencionais".
Aproximadamente no mesmo período, o restaurante Lua Nova, localizado no centro comercial de Alphaville, começou a aceitar pagamentos via celular, também por sugestão da Paggo. Apesar da facilidade do processo, a demanda ainda é muito baixa. "Os clientes desconhecem esse canal de pagamento, falta uma maior divulgação tanto para o consumidor final, quanto para os comerciantes", afirma Felipe Haddad, 27 anos, sócio do restaurante. Segundo ele, em média, dez pessoas na semana procuram pelo serviço. "É muito pouco para um espaço que recebe cerca de 80 clientes por dia para o almoço", declara.
Depois de atuar como piloto de teste para o novo sistema de pagamento via celular em meados dos anos 2000, a Associação do Comércio de Praia Legalizado (Ascolpra), do Rio de Janeiro, se quer foi consultada para resgatar a parceria com diversas operadoras nessa nova fase. "Eu nem sabia que era possível receber pagamentos pelo celular novamente", admite Paulo Juarez, 59 anos, presidente da Ascolpra. Ele recorda que, entre 2006 e 2007, 50 barraqueiros da orla carioca passaram a aceitar pagamento via celular, independentemente do valor. "Naquela época, o processo era muito complicado. O cliente tinha de se cadastrar e a cada compra era obrigado a ligar para uma central e pedir uma senha, que era digitada na máquina para finalizar a transação", diz. "Conseguir a ligação para solicitar a senha era um milagre, nem sempre as maquininhas funcionavam direito", afirma.
Juarez ainda acredita que a ideia inicial era muito boa e só precisava ser aperfeiçoada. Para ele, se for possível resgatar essa forma de pagamento por meio das máquinas de recebimento de cartão de crédito e débito, a parceria será muito bem vinda, porque 50% das barracas associadas à entidade já aceitam cartões para pagamento.
Solução substitui voucher na hora de pagar o táxi
Em 2002, quando o empresário Armindo Freitas Motta Júnior, sócio da Wappa, com sede em São Paulo, começou a desenhar uma nova tecnologia capaz de efetuar o pagamento de refeições via celular, o mercado não deu atenção. Egresso da área financeira, Motta tinha interesse em plataformas Business to Business (B to B) e sabia que tinha nas mãos uma tecnologia importante, que ganharia espaço em um futuro próximo. "Foi quando pensei na customização da ferramenta para pagamento de táxi, já que o segmento movimenta mais de R$ 1 bilhão por ano e a maioria das empresas tem problemas para controlar boletos e vouchers", conta.
A solução, em atividade desde 2005, permite às pequenas e grandes empresas controlar em tempo real todos os gastos com corridas corporativas de táxi. O funcionamento é simples. As empresas cadastram seus funcionários e o seu código de identificação é o próprio número do celular. Os valores disponíveis para os deslocamentos podem ser determinados por funcionários ou centros de custo. Cada vez que uma corrida for realizada, a pessoa é identificada e o pagamento feito pelo celular. Tanto o motorista quanto o usuário recebem uma mensagem via SMS confirmando a transação.
Hoje, 120 cooperativas de táxi trabalham com a solução da Wappa, num total de mais de 20 mil taxistas espalhados pelo Brasil, até mesmo em cidades de menor porte, como Araraquara, no interior de São Paulo. São mais de 200 mil usuários. Entre os clientes, bancos, grandes empresas, indústrias e operadoras de telefonia celular. "A média de economia para as empresas gira em torno de 30%, com um mínimo de 15%. Mas há casos que chegou a 80% nos primeiros meses de uso", diz. A solução da Wappa se multiplicou e hoje a empresa oferece, também, quatro outras ferramentas de gestão corporativa: corporate (passagens e hotéis), combustível, alimentação e frota.
De acordo com Motta Júnior, hoje não há mais barreira cultural para o uso do celular como instrumento de pagamento, e a tendência é que cresça substancialmente nos próximos anos. Apostando na nova realidade, a Wappa lançou há um ano aplicativos para pagamentos móveis para andróides, I-Phone e Blackberry, exclusivos para uso no mercado corporativo. A novidade já responde por 20% das transações de pagamento feitas com a solução da Wappa, que no ano passado faturou R$ 30 milhões. "Com esse lançamento oferecemos uma plataforma de pagamento multicanal completa, via SMS, atendimento eletrônico, internet e aplicativos móveis", ressalta Motta Júnior.
Em 2012, a empresa paulista, de apenas 35 funcionários, entrará em um novo canal de operação, destinado ao consumidor final. Disponibilizará o pagamento de qualquer produto ou serviço em rede credenciada via celular. "Trata-se de uma briga de gigantes. Teremos que abrir espaço para atender o consumidor final entre os grandes players do mercado", afirma o empresário, disposto a entrar na briga.
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