jornal Valor Econômico 28/12/2011 - Vanessa Adachi
Daniel Wainstein/Valor
Juscelino Martins, idealizador e sócio, e João Rabello Filho, presidente, buscam duplicar Tribanco em quatro anos
Xop Popular, Pitstop Dourado, Pra Você, Pois Pois Supermercados, Mercadinho Tem Tudo e Supermercado Evangélico são apenas alguns dentre 8.500 pequenos mercadinhos, padarias e farmácias espalhados pelo país que têm um cartão de crédito para chamar de seu. Nesses micro e pequenos empreendimentos, o dinheiro de plástico é o substituto modernizado da amarelada caderneta do fiado. Além da marca do estabelecimento comercial em questão, os cartões levam o nome Tricard e quem está por trás deles, dando crédito aos empresários - e, por tabela, a 800 mil consumidores-, é o Tribanco, o banco do Grupo Martins, a maior rede atacadista do país, com faturamento líquido de quase R$ 3 bilhões, segundo o "Valor 1000".
O fato de pertencer ao grupo Martins confere ao Tribanco um perfil diferente. "É um modelo de negócios único no Brasil. A capilaridade que tem para chegar a regiões pouco desenvolvidas do país é o principal motivo para gostarmos do Tribanco", diz Paulo de Bolle, executivo da IFC, braço de investimentos no setor privado do Banco Mundial, que em dezembro de 2010 fez um aumento de capital de US$ 20 milhões no Tribanco para ficar com 10% de seu capital. De Bolle se arrisca a dizer que não tem conhecimento de outro banco no mundo que funcione da mesma forma. "Para um banco de desenvolvimento como o nosso, é música para os ouvidos, porque o resultado do trabalho vai um passo além do próprio banco no qual investimos, chega a empresas pequenas que não são atendidas regularmente. Vemos o resultado na veia", completa.
Para qualquer outro banco, o custo de chegar a tantos lugares remotos seria proibitivo. O que torna a capilaridade viável é o que o grupo chama de Sistema Integrado Martins, o SIM, que, como diz o nome, procura integrar os negócios do grupo em torno da cadeia de clientes do atacado.
O atacadista Martins está em 100% dos municípios brasileiros, e o Tribanco se beneficia disso, porque trabalha em cima da base de clientes do grupo. Os 4,5 mil representantes comerciais da rede atacadista ajudam a identificar as necessidades financeiras dos potenciais clientes do banco. Todos os meses o banco recebe a lista de quem comprou produtos do Martins. O atacadista já tem o cadastro e, na maioria das vezes, conhece o histórico daquele cliente, se é bom ou mau pagador. "Nós, então, completamos o trabalho com a análise de crédito mais detalhada do cliente e procurar fidelizá-lo", diz João Ayres Rabello Filho, presidente do Tribanco. O cartão Tricard é essencial nessa etapa, porque cria um relacionamento de longo prazo com o pequeno varejo.
"Minha primeira reação quando vi o tíquete médio das operações e as taxas cobradas foi perguntar: mas o banco ganha dinheiro?", recorda-se Rabello, que há pouco mais de dois anos foi contratado para presidir o Tribanco e, desde então, divide-se entre São Paulo e Uberlândia. Um dos vértices do Triângulo Mineiro (daí o nome Tribanco), a cidade tornou-se a capital brasileira do atacado. Além do número um do ranking, o município também é sede do número dois, três e seis - respectivamente, Arcom, Peixoto e União.
A resposta que Rabello encontrou à sua dúvida foi afirmativa, mas as margens realmente são apertadas e, para a continuidade e sucesso do modelo, é essencial que o pequeno varejo continue a existir no país. "Quando um comércio cresce demais, ele sai do nosso radar". Com uma estratégia agressiva dos grandes bancos em busca de pequenas e médias empresas, o Tribanco reconhece que andou perdendo clientes no topo de sua pirâmide. E a questão da fidelização tornou-se ainda mais vital.
O comércio que é cliente típico do banco fatura entre R$ 500 mil e R$ 1 milhão por ano - mais da metade do resultado do Tribanco vem dessa clientela. Mas 70% da sua base de clientes fatura ao redor de R$ 200 mil por ano. São empresas que costumam ser atendidas nas agências dos grandes bancos de varejo e às quais o Tribanco tenta oferecer um atendimento mais personalizado.
Dentro da família Martins, quem cuida do banco e preside seu conselho é Juscelino, um dos filhos de Alair Martins, o fundador. Foi dele a ideia de criar o banco, na virada dos anos 80. O mesmo diário oficial de março de 1990 que dava a autorização de funcionamento do banco, lembra Juscelino, trouxe o confisco da poupança do governo Collor. "Tivemos esse presente logo na largada, 80% do capital do banco ficou preso", recorda. "Mas acabou servindo de estímulo."
O cliente típico do banco é o comércio que tem faturamento anual entre R$ 500 mil e R$ 1 milhão
Juscelino considera que, mais de 20 anos depois, o banco é muito redondo, mas ainda pequeno. "Com o IFC, ficamos supercapitalizados. Agora precisamos entregar a razão de ser disso", diz Juscelino Martins.
A entrada de João Rabello no banco tem a ver com o desejo da família de ver o banco ganhar mais corpo, mas, antes, passando por um processo de institucionalização de procedimentos e práticas. Rabello é um executivo experiente. Ajudou a montar o banco Excel, nos anos 90, presidiu o banco Fibra, da família Steinbruch, foi presidente da ABBC, a associação que reúne os bancos pequenos e médios, e estava à frente da montagem do banco Concórdia, da Sadia, quando a empresa foi à lona no episódio dos derivativos em 2008. Depois de rápida passagem à frente da BBDTVM, a maior gestora de recursos do país, chegou ao Tribanco.
"Queremos duplicar de tamanho em quatro anos", diz Juscelino. "Mas o mandato que demos ao João (Rabello) é que não queremos crescer a qualquer preço, assumindo risco maior que o atual. Isso é uma premissa", completa.
O banco tem hoje 40 mil clientes - boa parte só faz pagamento de contas -, enquanto pelo Grupo Martins circula um número muito superior a esse: são 200 mil pequenos varejos por ano que fazem compras da rede atacadista. O desafio, portanto, é trazer uma fatia maior para dentro do banco.
Uma das novidades para atrair e fidelizar clientes é que o banco voltou em 2010 a repassar linhas do BNDES para investimentos em expansão e modernização. Em 2011 foram mais de 40 operações. "Chegamos a 5% da nossa carteira de crédito e queremos ir a 10%. Mas não poder ser muito mais porque é uma operação que não dá dinheiro", diz Rabello.
Na Tricard, também existe um potencial que precisa ser melhor explorado. Hoje, há 3 milhões de cartões emitidos aptos a operar, mas apenas 700 a 800 mil clientes de fato compram regularmente. "Tem mais de 2 milhões de clientes que não usam o Tricard, muitos porque têm outro cartão com bandeira", diz Rabello. Por essa razão, o Tribanco testou em três estabelecimentos a emissão do Tricard com a bandeira Mastercard e agora no fim de 2011 já começou a emitir os plásticos regularmente. Assim, os clientes poderão comprar no mercadinho que lhe deu o cartão, mas também em qualquer outro lugar. Um dos estabelecimentos que participou do piloto é o Super Português, da pequena Santa Isabel, a 50 quilômetros de São Paulo.
Desde que assumiu o posto, Rabello tem procurado criar a estrutura para possibilitar o crescimento desejado pela família Martins. De um ano para cá, por exemplo, o banco instalou comitê de auditoria e compliance, com autonomia para entrar em qualquer área do banco. "A ideia é evitar descoberta de surpresas", diz Rabello e, assim, crescer com segurança. Acima de R$ 1 bilhão de patrimônio, os bancos são obrigados a ter comitê de auditoria. Ainda não é o caso do Tribanco. "Vamos chegar lá", diz Rabello. "Mas a gente nunca misturou os negócios da família com os do banco, sempre fomos bem certinhos", diz Juscelino Martins.
Mesmo sem ser obrigada por algum requisito legal, e ainda antes da chegada de Rabello, a família já incluía membros independentes no conselho do banco. Fazem parte dele há alguns anos o advogado José Luiz Osório, ex- presidente da CVM, José Guimarães Monforte, executivo do mercado financeiro com passagem por bancos como Merrill Lynch e Citi, e Francisco Mesquita Neto, do Grupo Estado. Desde novembro, ingressou também Pedro Meloni.
Em alguns casos, as mudanças implementadas pela nova gestão parecem tão óbvias que é difícil imaginar como era possível que não existissem antes. A área de tecnologia da informação (TI) teve que ser refeita. "Antes, o sistema só permitia que o cliente fosse visto por produto e não de forma integrada." Agora, o banco enxerga o clientes como um todo, com todas as operações que possui, dando ganho de produtividade.
Rabello criou uma segmentação de clientes por faturamento - e em breve também por região -, que antes não existia no banco. Para isso, na sede foi criado um "call center" com 30 posições de atendimento que absorveu a clientela com até R$ 250 mil de faturamento. "O cliente menor antes ficava desassistido. Assim, liberamos os 200 gerentes na ponta para trabalhar melhor alguns clientes e trazer novos", diz Rabello.
Segundo o executivo, o crescimento do banco nos próximos anos virá dos segmentos de menor faturamento, da oferta de serviços financeiros e de meios de pagamento móveis.
"Há uma clientela salutar que opera com o Martins e que preciso conquistar e não falo da avenida Paulista, mas de regiões que crescem como a China, no Norte, Nordeste e Centro-Oeste."
O comando da rede atacadista mudou quase que ao mesmo tempo que o do banco, há dois anos, com a entrada de Walter Faria Júnior na presidência. "Orientados pelos acionistas, estamos trabalhando mais juntos, para planejar melhor a integração dos negócios", conta Rabello. O treinamento comercial já passou a ser feito com as equipes do banco e do atacado juntas. Assim, um ajuda a trazer clientes para o outro.
Embora Rabello conte que a base de clientes cresceu 10% no ano, o lucro do primeiro semestre caiu por conta dos investimentos feitos e a expansão do crédito desapontou, com o ambiente pouco propício de 2011. Ficou em apenas 6,8% de janeiro a junho. "Ainda esperamos fechar o segundo semestre com crescimento de 10%. Mas a briga é para não cair 10% no começo do ano", diz João Rabello.
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