portal Isto É Dinheiro 14/01/2011 - Cláudio Gradilone
Em 2008, o executivo Angel Martinez, diretor comercial do banco Mercedes-Benz, teve de usar toda a sua criatividade para contornar a crise. Na época, ele era o principal executivo da montadora alemã na Costa Rica e na Nicarágua.
As vendas de caminhões e automóveis de luxo vinham crescento até que, em agosto, a crise financeira que nascera nos Estados Unidos se abateu com toda força sobre a América Central.
Os negócios evaporaram. “Os pátios estavam cheios de veículos com modelo 2008, os modelos 2009 já estavam chegando e os clientes simplesmente não apareciam”, diz ele. Não seria possível simplesmente enviar os carros para outros países, pois eles tinham sido produzidos segundo as especificações locais.
A saída foi partir para o corpo a corpo com os clientes. “Fizemos eventos, test-drives, coquetéis e o que fosse preciso para vender até zerar o estoque”, diz Martinez, nascido em Porto Rico, mas criado no Brasil.
Atualmente, ele enfrenta uma dificuldade semelhante. Os empréstimos do banco ligado à montadora alemã vêm exibindo um crescimento na casa de 20% ao ano desde 2008, apoiados principalmente nos programas do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para fomentar a indústria automotiva.
O principal deles, chamado BNDES Finame PSI, responde por dois terços da carteira do banco. Suas condições são invejáveis: juros de 8% ao ano, e mais nada. O problema é que essas condições de pai para filho devem acabar em março. Agora, o desafio do banco é manter a marcha, apesar da maior dificuldade financeira na estrada – e fazer isso sem solavancos.
Não será um desafio simples. O banco trafega em uma pista cada vez mais congestionada. Para as montadoras, um argumento essencial na hora de fechar o negócio são as condições de financiamento, especialmente no caso dos caminhões.
Não por acaso, empresas como Randon e Scania lançaram seus próprios bancos no ano passado. O grupo Rodobens, formado por uma rede de concessionárias da Mercedes, voltou ao setor bancário há dois anos depois de ter vendido seu banco, o Dibens, para o Unibanco em 1998.
Pátio da Mercedes-Benz em São Bernardo: o setor produziu 175 mil unidades até novembro de 2010 e deverá manter esse ritmo acelerado até o fim de 2011
O Mercedes-Benz é o segundo maior desse grupo, perdendo apenas para o Banco Volkswagen. Todos eles entraram na pista cantando pneus. Em 2010, até setembro, os empréstimos concedidos eram de R$ 34 bilhões, um crescimento de 31% em relação ao mesmo período do ano anterior, segundo o Banco Central (BC).
O total dos empréstimos bancários cresceu menos, cerca de 26%. “O crédito automotivo é um dos principais vetores de expansão dos financiamentos”, diz o economista Roberto Troster, especializado no setor bancário.
Os motivos são bem conhecidos. Além dos aditivos do crédito barato e da isenção de impostos que valeram até o ano passado, o setor de transportes é um dos mais beneficiados por momentos de expansão da economia.
Outra característica do Brasil é que quase tudo o que vai e vem cruza o País na boleia de um caminhão. Os números do setor são pujantes. Após produzirem 129 mil caminhões em 2009, as montadoras elevaram esse total para 175 mil unidades em 2010, sem contar a produção de dezembro.
A estimativa de produção para o ano passado como um todo chega a 190 mil unidades, um aumento de 48%. Esse ritmo vai continuar até o fim deste ano. Em janeiro de 2012, entrará em vigor no Brasil o protocolo ambiental Euro 5, que é muito mais exigente em termos ambientais do que o padrão aceito hoje.
Para serem licenciados no ano que vem, os veículos terão de seguir padrões mais estritos, que vão elevar os preços de venda. Assim, muitos administradores de frotas devem antecipar as compras, aumentando a demanda por crédito.
Para ultrapassar os obstáculos criados pelo fim do Finame PSI, Martinez visa uma atuação em três frentes. A primeira é reforçar as apostas em caminhões ultrapesados importados, que não são elegíveis para os programas do BNDES.
A segunda é centrar forças nas linhas que o banco estatal já oferece. Elas são um pouco mais caras e mais curtas, mas ainda são mais competitivas que o crédito bancário tradicional.
Finalmente, o executivo vai investir pesado no relacionamento com os clientes. “Vamos lançar outros produtos bancários, como consórcio e cartão de crédito, para fidelizar a rede de clientes que compra os caminhões da Mercedes”, diz ele.
Os cartões são a aposta mais promissora. Embora saiba que não será possível concorrer em tamanho com as redes de varejo na emissão de plásticos, Martinez diz que a estratégia é procurar sinergias com os administradores de frotas no pagamento de serviços e de combustível, por exemplo.
Essa tática vai ao encontro do que o varejo tem feito nos últimos tempos. “Mais do que emitir cartões, o emissor quer tornar seu uso pelos clientes o mais intenso possível”, diz Álvaro Musa, consultor especializado em cartões de crédito.
Martinez afirma que um dos pilares dessa expansão será a parceria com os distribuidores da Mercedes. “O banco tem 260 pessoas e tem de se apoiar na rede para a distribuição.”
Esse é o maior obstáculo a ser transposto pelo banco. A rede de distribuidores não garante exclusividade nos financiamentos a Martinez – ou a qualquer um de seus concorrentes.
O sistema funciona à base de comissões e quem conhece seus meandros sabe que a concessão de empréstimos automotivos não é transparente para o comprador. Segundo um executivo com larga experiência na distribuição de veículos, essas práticas já estiveram sob uma avaliação intensa do BC, pois aumentam a probabilidade de o vendedor deixar de oferecer o melhor negócio para o comprador.
Martinez não comenta o assunto e é só elogios quando fala de seus distribuidores, mas reconhece que não tem monopólio. “Os revendedores trabalham com vários bancos, inclusive os da rede Mercedes-Benz”, diz ele. Mais um dilema para ser resolvido pelo executivo em seu desafio de manter aquecidos os motores do banco.
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