jornal Diário do Comércio 24/01/2011 - Paula Cunha
O uso do cartão de crédito ou débito para pagar as contas do supermercado estimula a aquisição de itens supérfluos, como doces e salgadinhos. Esta é uma das conclusões de pesquisa realizada por cientistas da Cornell University e da University of Buffalo (EUA), que estudaram os hábitos de consumo de 1 mil famílias.
Eles constataram que quem utiliza cartão compra mais alimentos pobres em nutrientes – a chamada junk food. "Pagamentos em dinheiro são psicologicamente mais dolorosos que aqueles feitos com plásticos, o que pode refrear a impulsividade na compra de supérfluos", disseram à publicação Journal of Consumer Research.
No Brasil, especialistas em finanças pessoais concordam que o uso de cartões proporciona a sensação de perda de limite no consumo e essa tendência é especialmente forte no que se refere aos itens supérfluos.
E não é difícil comprovar isso em qualquer supermercado de São Paulo. A professora Célia Celeste de Abreu Okada é um exemplo de quem já se descontrolou com o cartão. Salgadinhos, bolos e sobremesas prontas – itens de preço mais alto do que frutas ou alimentos mais saudáveis – eram presença garantida em seu carrinho. Ela contou que esquecia as regras da boa nutrição ao passar pelas gôndolas desses produtos – e a vontade de adquiri-los era reforçada pela possibilidade de adiar o pagamento via cartão.
Agora, ela afirma pagar suas compras sempre à vista, e ter aprendido a vigiar seus gastos, anotando em um caderno os preços dos produtos adquiridos. "Sou mais atenta a cada detalhe."
Mais acesso, menos controle
Para os especialistas em finanças pessoais, casos como esse são cada vez mais comuns, em razão do aumento do poder de consumo dos brasileiros, que passaram a ter mais acesso ao crédito. No entanto, essas pessoas estão ainda na fase inicial do aprendizado de como lidar com os meios eletrônicos de pagamento, e podem exagerar no seu uso.
A passadeira Faraildes Dias está dando os primeiros passos com o dinheiro de plástico. Ela diz temer se exceder quando utiliza o cartão para pagar as compras mensais. Mesmo assim, ela afirmou que tem conseguido refrear o impulso de consumir com o temor de que, utilizando o cartão sem controle, poderá contrair muitas dívidas. Já a dona de casa Karina Dal Porto, que comprou itens como salgadinhos, disse que paga esse tipo de produto geralmente com cartão. Mas ressaltou que a modalidade de pagamento não influenciaria sua decisão de adquirir esses itens.
Aprendizado
Para Evaldo Alves, professor de economia da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (EAESP/FGV), meios de pagamento como cartão de crédito e cheque especial são menos tangíveis que o dinheiro em espécie, e dão a sensação de que esses comprometimentos do orçamento doméstico foram adiados. Essa sensação alia-se ao ato de comprar novos itens – e as duas podem acabar aumentando a conta final do supermercado.
Entretanto, Alves ressaltou que todo este processo no Brasil pode ser considerado uma fase de aprendizado para os novos consumidores, e que ela é normal. Ele lembrou que os atuais níveis de inadimplência estão dentro do que pode ser considerado razoável, e que a diversificação e o aumento na aquisição de alguns tipos de itens podem ser estabilizados com campanhas para a administração do orçamento familiar.
Novo comportamento
Apesar de não existir estudo sobre o consumo em supermercados no Brasil para basear suas avaliações, o diretor da Faculdade de Administração da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), Tharcísio de Souza Santos, ponderou que o cartão de crédito passou a ser mais utilizado por grande parte da população. Essa expansão também alterou o comportamento dos seus usuários. Para Santos, o consumidor precisa saber que não se financia crédito rotativo com o cartão de crédito, já que os juros no Brasil variam de 8% a 12% ao mês.
Outros consultores ressaltam que a aquisição de itens mais supérfluos, como doces e salgadinhos, também pesa na conta final, principalmente quando os pais vão ao supermercado com os filhos – que sempre pedem mais um pacote de batatas fritas ou chocolate. A Associação Brasileira de Supermercados (Abras) não tem uma pesquisa sobre o consumo deste tipo de alimento, mas confirma o crescimento na aquisição de todos os itens comercializados em função do expressivo avanço do poder aquisitivo da população, principalmente da classe C.
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