jornal Valor Econômico 09/11/2010 - Adriana Cotias
Na virada do mês, Visa e MasterCard vão se deparar com um cenário de competição que ainda não tinham vivenciado em seus 20 e poucos anos de Brasil. As duas grandes bandeiras internacionais de cartões começarão a dividir o mercado com um novo participante, a elo, que chega com a força de distribuição de Banco do Brasil, Bradesco e Caixa Econômica Federal, seus donos. O cartão, que terá suas transações capturadas inicialmente pela rede da Cielo, já nasce potencialmente com a mesma aceitação das marcas internacionais, em 1,2 milhão de estabelecimentos comerciais em todo o país. O lançamento coincide ainda com um momento de fortalecimento do Hipercard, do Itaú Unibanco, que passou a ser aceito pela Redecard, ganhando também abrangência nacional.
Esses dois movimentos sozinhos reúnem quatro dos maiores emissores brasileiros e em comum as estratégias visam chegar às classes menos favorecidas da população. As bandeiras estrangeiras, que dependem da emissão dos bancos locais para chegar às mãos do consumidor, correm o risco de ficar em segundo plano na onda da mobilidade social e da bancarização no país. A elo chega para disputar um mercado que vai movimentar mais de R$ 500 bilhões em 2010 e que cresce a um ritmo de R$ 100 bilhões ao ano. Nos bastidores, Visa e MasterCard também podem esperar por mais pressão dos bancos para redução de "roylaties" pelo uso das marcas.
Da porta para fora, Visa e MasterCard dizem enxergar a entrada do novo competidor com naturalidade e não admitem ajustes nas estratégias. Para o presidente da Visa, Ruben Osta, será o consumidor que continuará a ter o mando de jogo. Para ele, esse consumidor vai querer a marca estrangeira na carteira, ao tempo em que os emissores, remunerados por taxas de intercâmbio (uma porcentagem da transação de crédito ou débito), não vão negligenciar esse bolo de receitas. Já o presidente da MasterCard, Gilberto Caldart, diz que a baixa renda já vem sendo bancarizada pelo canal de distribuição do varejo e, em boa parte das vezes, o primeiro instrumento de inclusão financeira é um cartão com o selo MasterCard.
A elo chega com o plano de conquistar 15% do mercado em três anos, o que significa uma base estimada de 100 milhões de cartões. O Hipercard, por sua vez, tem atualmente cerca de 14 milhões de plásticos, o equivalente a 8% do mercado, e segundo sinalizou recentemente o presidente da empresa, Ivo Vieitas, pode ser uma bandeira aberta a outros emissores. Com a parceria com a Redecard, saltou de de uma rede de aceitação de 470 mil estabelecimentos credenciados para a casa do 1 milhão, habilitando-se para ser uma bandeira de alcance genuinamente nacional. De acordo com Vieitas, 50% do faturamento da bandeira já se dá fora do Nordeste, onde nasceu e ganhou musculatura.
Dos cerca de 7 bilhões de transações com cartões realizadas anualmente no Brasil, uma fatia de 95% ocorre dentro do país, estima o consultor Edson Santos, da Co-Link, o que quer dizer que os plásticos não precisariam ter, necessariamente, um selo internacional estampado. A cada operação, porém, os bancos pagam, em média, uma comissão de 0,12% às bandeiras na forma de royalty e é esse o custo que deixarão de ter com as suas próprias marcas.
Nenhum dos bancos envolvidos no projeto da elo vem sinalizando intenção de trocar as bandeiras dos cartões que já estão nas mãos dos clientes, mas sim atingir o cliente que ainda está fora do sistema financeiro formal. Na hora do vencimento dos cartões que têm em sua base de débito, porém, é o elo que aparece como opção natural da renovação. O diretor de uma instituição concorrente explica que a lógica de um desenho desses é ter dentro do negócio de cartões um pedaço com rentabilidade diferenciada. A sua percepção é de que a elo vai ter o tamanho que seus emissores quiserem no mercado e vão encontrar um público já com o aprendizado de crédito junto às redes de varejo, pelos carnês e "private label".
Não é de hoje, porém, que a Visa se confronta com um cenário de maior competição nos mercados em que atua, diz o presidente Osta. "Quanto mais esquemas de pagamento existirem, mais as pessoas vão conhecer os benefícios do pagamento eletrônico. A Visa tem produtos para todas as classes sociais e o consumidor, quando começa a se bancarizar, tem o desejo de ter no bolso um cartão Visa." Embora o elo nasça com aceitação em estabelecimentos comerciais potencialmente igual à da Visa, o executivo afirma que não é isso que vai requerer mudanças na estratégia e que vê as transações em cheque e dinheiro no país como os seus maiores concorrentes.
Na visão do executivo, os bancos, por sua vez, vão colocar na balança o quanto ganham para emitir Visa. "Na maioria das vezes, ganham mais com Visa do que com outros cartões", diz Osta. Como patrocinadora oficial de eventos esportivos, como a Copa do Mundo, Copa das Confederação e Jogos Olímpicos, a bandeira carrega como trunfo a transferência das promoções sazonais para a base de clientes dos emissores. Foi o caso do cartão temático da Copa da África do Sul, emitido pelo Banco do Brasil, e que, casado com a campanha "Me leva", resultou na emissão de 3,8 milhões de plásticos.
Mesmo depois de ter namorado a Caixa Econômica Federal, com a proposta de cartões pré-pagos e ver o banco se integrar ao projeto da elo, Osta não concorda que haverá enfraquecimento da marca junto ao banco. "A Caixa é o emissor que mais cresce no Visa Electron", diz. Outra frente de crescimento da bandeira no país será o comércio eletrônico.
Caldart, da MasterCard, diz que a bandeira tem estruturas de custos adequadas para todas as segmentações de cartões no Brasil e a presença em lojistas como Lojas Renner, Lojas Marisa, C&A ou Pão de Açúcar asseguram que tem cumprido um papel na ascensão das classes emergentes. Com 26 mil emissores no mundo, Caldart conta que não é trivial ter toda uma estrutura montada para aprovação de limites, de prevenção a fraudes, além da tecnologia envolvida nos programas de benefícios. "Ao operar uma bandeira com capilaridade mundial os emissores se beneficiam da economia de escala e investimentos em gestão de fraudes ao redor do mundo." Para o executivo, qualquer decisão dos emissores será tomada com base no valor que a bandeira traz para cada negócio.
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