portal Isto É Dinheiro 26/11/2010 - Cláudio Gradilone
Todas as empresas aéreas têm um passivo oculto, que guardam a sete chaves: o tamanho de seus programas de milhagem. A TAM não é uma exceção. “Essa é uma informação estratégica”, é a resposta da companhia. A reserva é compreensível. Os programas de milhagem são um dos maiores pontos de conflito entre as empresas aéreas e os passageiros.
No entanto, a TAM transformou essa obrigação em dinheiro, ao transferir as milhas para a Multiplus, uma empresa criada formalmente em 2009 e que abriu seu capital em fevereiro deste ano. Desde a abertura de capital, as ações já subiram 117%. A Multiplus hoje vale em bolsa R$ 5,5 bilhões, quase o mesmo que a própria TAM.
O milagre de transformar esse limão em uma limonada deveu-se a uma engenhosa operação financeira. A Multiplus recebeu as milhas da TAM e vendeu-as para seus parceiros – redes de varejo e hotéis.
Além de pagar pelas milhas, os parceiros gastaram um bom dinheiro para ter acesso a uma lista com 7,6 milhões das pessoas com maior poder aquisitivo do Brasil. A TAM transferiu parte de seu passivo para outras empresas e a Multiplus compra e vende os pontos desses parceiros, ganhando bem para fazer isso.
“Nosso negócio é gerir uma rede de programas de fidelidade”, diz Eduardo Gouveia, presidente da Multiplus. Ela permite que um passageiro da TAM use as milhas de um voo entre Rio de Janeiro e Brasília para comprar livros na Livraria Cultura em São Paulo, para abastecer seu carro nos postos Ipiranga ou para comprar roupas na rede de lojas Luigi Bertolli. A ideia de transferir esse ônus para outros lojas foi lançada pela Air Canadá. “Foi a inspiração para a Multiplus”, diz Gouveia. Os números mostram o potencial desse negócio. Nos nove primeiros meses de 2010, o lucro líquido da empresa foi de R$ 75 milhões. A TAM lucrou R$ 487 milhões nesse período.
O mercado quer mais: as analistas Daniela Bretthauer e Marina Braga, da corretora americana Richard James, recomendam a compra das ações, em um relatório publicado no dia 22 de novembro. Cotadas a R$ 34,50 nessa data, elas poderiam superar R$ 40, alta de 20%. “Acreditamos ter espaço para surpresas adicionais nas receitas, já que a Multiplus continua a acrescentar parceiros”, escreveram elas.
Felipe Miranda, analista da empresa de pesquisa de ações Empiricus, também está otimista. Segundo ele, a empresa deverá ter R$ 1 bilhão em caixa em 2011, e deverá ser uma boa pagadora de dividendos. “Podemos chegar com alguma facilidade a uma rentabilidade de 20% nos dividendos pagos.”
Os parceiros da Multiplus gostaram. “Essa parceria permite oferecer mais benefícios aos clientes”, diz Leocadio Antunes, diretor superintendente da Ipiranga, sem revelar números. A rede de postos de combustível, ao lado do Bomclube, vinculado à rede de supermercados Walmart, é um dos principais parceiros da Muiltiplus.
“As empresas de varejo são as que oferecem as maiores sinergias”, diz Gouveia. “Muita gente aparece aqui para trocar os pontos por livros”, diz Sérgio Herz, sócio-diretor da Livraria Cultura. “Desde que aderimos ao programa da Multiplus, nosso próprio programa de fidelidade cresceu 37%; sem essa promoção, o crescimento teria sido de 14%”, diz ele.
Há alguma nuvem nesse céu? Segundo Álvaro Musa, consultor especializado em cartões de crédito e em seus programas de relacionamento, casos como o da Multiplus são uma novidade no Brasil e seu histórico não é bom.
A própria TAM participou, no fim dos anos 90, de um programa chamado Smart Club, em parceria com a Shell e outras redes de varejo e fast-food. O programa foi discretamente encerrado em 2004, devido a divergências insanáveis entre os parceiros. “Gerenciar programas que envolvem parceiros muito diferentes é uma operação muito complexa”, diz Musa. Só o tempo dirá se a conversão de dívida em dinheiro vai continuar voando em céu de brigadeiro ou se vai enfrentar turbulências.
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