jornal DCI 02/07/2008 - Luciana Bruno
O setor de cartões no Brasil buscará, nos próximos anos, um novo ponto de equilíbrio. Se por um lado se comprometem a reduzir o juro dos cartões de acordo com o perfil do cliente, por outro, querem uma diminuição no uso do cartão parcelado sem juros. É o que estimam analistas do setor ouvidos pelo DCI. O atual modelo brasileiro oferece duas alternativas opostas: o parcelado sem juros - cujo custo muitas vezes está incluso no valor total do produto -, o parcelado com juros e o rotativo, cujas taxas estão entre as mais altas do crédito brasileiro.
Atualmente, os juros dos cartões de crédito podem variar de 3,8% a 13% ao mês no parcelado com juros, e de 2,2% a 16% ao mês no rotativo - quando o cliente paga apenas o valor mínimo da fatura no mês. Os números são de uma pesquisa divulgada ontem pela Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs). As taxas superam 100% ao ano, enquanto em países como os Estados Unidos estão em 16% ao ano.
No parcelado sem juros, não existem taxas, mas é comum os lojistas aumentarem o preço do produto, já que as taxas cobradas pelas administradoras de cartões são mais altas, na medida em que os bancos ficam com o risco de crédito. "O sucesso do parcelado sem juros no Brasil é uma questão cultural, já que aqui o consumidor olha apenas se a parcela cabe no bolso", afirma Boanerges Ramos Freire, da Boanerges & Cia., consultoria em varejo financeiro.
O crescimento do parcelado sem juros - que substituiu o uso do cheque pré-datado - foi importante para a indústria porque popularizou o cartão de crédito e permitiu aos bancos fidelizar clientes. "Atualmente, o parcelado sem juros tem índices de crescimento muito maiores do que o com juros e o rotativo", diz Marcelo Noronha, diretor da Abecs.
Números da entidade mostram que de maio de 2006 a maio de 2008 o volume transacionado em parcelado sem juros - que representa um terço do total - subiu 121,1%, para R$ 36,9 bilhões. No mesmo período, o volume transacionado em parcelado com juros e no rotativo foi de R$ 19,8 bilhões, avanço de 51% sobre maio de 2007. De maio de 2007 a maio deste ano, houve o mesmo comportamento: o parcelado sem juros cresceu 52%, enquanto o parcelado com juros e o rotativo subiram 28%, informa a Abecs. Do total de estoque de cartões de crédito até maio de 2008 (R$ 56,7 bilhões), 65% é de parcelado sem juros. Dos demais 35%, Boanerges Ramos Freire estima que apenas 3% são parcelado com juros.
"Esta é uma invenção brasileira para substituir o pré-datado. Leva valor ao lojista, ao emissor e ao consumidor, mas tende a haver um equilíbrio de mercado, que é a segmentação das taxas", endossa Noronha. Para ele, esse movimento já está acontecendo no Brasil. "Há um processo de modificação das taxas devido à forte concorrência na indústria."
Na opinião do executivo, caso seja mantido o atual cenário de economia estável e crescimento da massa salarial, isso será revertido em queda de taxas dos financiamentos nos próximos anos. "Já existe uma evolução do cartão, de mero meio de pagamento a instrumento de crédito", salienta. Para Boanerges, a criação do parcelado sem juros foi positiva para a indústria na medida em que disseminou o uso do cartão em substituição ao cheque. "Agora, o desafio é substituir o dinheiro, já que o cartão representa apenas 20% dos pagamentos no Brasil."
O parcelamento com juros e o rotativo são naturalmente mais rentáveis para a indústria do que o sem juros. Boanerges explica que em mercados desenvolvidos como os Estados Unidos, o modelo sem juros não existe. "Lá o que predomina é o rotativo: a maior parte dos americanos rola pelo menos 80% da dívida do cartão de um mês para o outro". O especialista lembra que os EUA são, porém, um país com características totalmente diversas das brasileiras. "A começar pela taxa de juros básica, que lá é de 2% ao ano."
Boanerges concorda que o futuro da indústria no Brasil passará por um equilíbrio entre o parcelado sem juros e as altas taxas do rotativo e do parcelado com juros. "Nos próximos anos, acredito que veremos uma segmentação de taxas ainda maior. Daí a importância de ferramentas como o cadastro positivo", comenta, referindo-se ao birô de bons pagadores cujo projeto de lei está em tramitação na Câmara dos Deputados desde 2003. Ele admite que o parcelado sem juros dificulta essa segmentação de taxas, na medida em que o cliente ainda opta por pagar sem juros, mesmo que o produto fique mais caro.
Contudo, fontes do próprio setor, como Fernando Chacón, diretor de Marketing do Itaú, admitiu recentemente à imprensa que o parcelamento sem juros pode acabar em um prazo de quatro a cinco anos. Mas o executivo condicionou esse fato a uma decisão conjunta do varejo.
A Associação Brasileira de Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs) informou ter revisado para cima as expectativas de crescimento da indústria de cartões no Brasil em 2008. A previsão agora é de que a indústria movimentará R$ 387,5 bilhões este ano, avanço de 24% na comparação com 2007. A estimativa anterior era de avanço de 20%.
A entidade justifica a revisão afirmando que o primeiro semestre registrou crescimento acima do esperado. De janeiro a junho deste ano, a indústria movimentou R$ 175,5 bilhões, avanço de 24% na comparação com o ano anterior. O destaque foram os cartões de débito, que subiram 30%, para R$ 50,2 bilhões. Em seguida vieram os cartões de crédito, com avanço de 23%, para R$ 102,2 bilhões. Os cartões de loja e de rede atingiram faturamento de R$ 23,9 bilhões, avanço de 19%, informou a entidade. O primeiro semestre deve terminar com 466 milhões de cartões em circulação, alta de 14% sobre o primeiro semestre de 2007. Nesse caso, o maior avanço foi dos cartões de loja e rede, cuja alta foi de 20%.
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