17 de set. de 2010

FINANCEIRAS DEIXAM AS RUAS E AMPLIAM PARCERIA COM VAREJO

jornal Brasil Econômico 17/09/2010 - Maria Luiza Filgueiras

A abordagem a um transeunte no centro da cidade por um vendedor de crédito, trajado de colete corporativo colorido, para oferecer empréstimos com taxas acima de 10% ao mês ficou para trás. A mudança de posicionamento das financeiras, iniciada há pouco mais de dois anos, mostra agora os resultados de consolidação: as marcas saíram das ruas e ganharam as redes de comércio e serviços, e muitas bandeiras estão próximas da extinção.

É o caso da Taií e da Fininvest, entre as mais tradicionais e que pertenciam, respectivamente, ao Itaú e ao Unibanco, e foram unidas com a fusão dos bancos. A Taií chegou a ter 250 lojas e a Fininvest ultrapassava 300 unidades. Hoje, nenhuma das marcas tem sequer um ponto de venda na rua e vão desaparecendo no contato direto com o cliente. "Com a fusão, a decisão estratégica institucional é restringir o posicionamento de cartão de crédito, principal canal de financiamento hoje, às marcas Itaucard e Hipercard", afirma Marcos Magalhães, diretor do Itaú Unibanco. "Taií e Fininvest não são mais usadas na conquista de clientes."

No grupo HSBC, o posicionamento também mudou, mas não de forma tão radical. A Losango reduziu consideravelmente a representatividade do negócio de rua, mas continua sendo a marca forte do banco na abordagem do público de menor renda. A decisão foi tomada em 2008 e o resultado foi a redução da fatia de empréstimo pessoal (o produto mais típico da loja de rua) de 12% para 6% do volume de originação anual.

No ano passado, a Losango ainda tinha 130 lojas. "Mantivemos 70 lojas, para estratégia de marca nos principais estados, mas não fazemos a abordagem de rua. Nossa missão mudou e hoje é ser a melhor promotora de vendas de serviços financeiros para o varejista", define Hilgo Gonçalves, diretor da Losango. "Levamos soluções ao pequeno varejista de Itaquatiara, no Amazonas, à Máquina de Vendas."

Essa mudança, segundo os executivos, está estreitamente relacionada à evolução do cenário macroeconômico. A oferta de crédito caro para quem estava com divida atrasada ou para compra de bens de consumo era a alternativa para um público sem comprovação de renda e sem acesso a taxas menores. "As financeiras surgiram numa época em que não havia bancarização da baixa renda, contexto que mudou com cartão de crédito e consignado", diz Magalhães. "Embora a precificação de empréstimo pessoal fosse adequada ao perfil do público do canal, é incompatível com a dinâmica de crédito atual, de grande escala".

Para se ter ideia, o crédito consignado representou em julho 60% do montante concedido de crédito pessoal, segundo o Banco Central. Há cinco anos, mal chegava a 40%. Em volume financeiro, o salto do consignado foi de R$ 19 bilhões para R$ 126 bilhões no comparativo.

"A estrutura de rua é cara e atende a um cliente ruim, que tem perfil de crédito negativo, em geral, e busca dinheiro para quitar outra dívida. Para compensar a taxa de inadimplência alta, os juros também são altos, mas a rentabilidade não", resume Boanerges Freire, diretor da Boanerges Consultoria em Varejo Financeiro. Além da concorrência dos bancos, as financeiras também ganharam a competição do próprio varejo. Freire destaca que 25% das financeiras registradas no BC são de redes de comércio.

Força de vendas é multiplicada

Alterar a estratégia de mercado, oferecendo crédito mais barato para um consumidor com perfil de risco menor, via parceria com varejistas, também resulta em reforço na distribuição de produtos. A iniciativa da Losango foi treinar os vendedores das lojas com as quais tem parceria, para que eles também ajudem a enquadrar o cliente no melhor produto financeiro. Arredondar a renda mensal de R$ 510 para R$ 550 é uma distorção de quase 10%, ressalta Hilgo Gonçalves, diretor da Losango.

"Isso gera impacto na capacidade de pagamento do consumidor. O que queremos é que, com um treinamento que dura 30 minutos pela internet, os vendedores ajudem o consumidor a prestar informações adequadas e identificar o produto adequado", diz o executivo. "O que a gente não quer, e nem a loja, é que o cliente fique inadimplente." Caso contrário, os juros tendem a aumentar e a capacidade de consumo diminui. Hoje, a taxa de inadimplência (90 dias) no crédito direto (CDC) é de 4,65% na Losango.

O treinamento da Losango já foi feito com 2 mil pessoas no programa piloto de "crédito sustentável". Agora, a financeira parte para a abordagem a 35 mil vendedores. É uma multiplicação de força de vendas, considerando que o total de vendedores próprios da Losango é cerca de 300 pessoas. "Recebemos 10 milhões de propostas
de crédito por ano e tomamos oito segundos para avaliação. Quanto mais informações desse cliente tivermos, mais rápida e eficiente será a concessão", diz Gonçalves. Segundo ele, houve um aumento da ordem de 4% na taxa de aprovação de crédito.

Para Felix Cardamone, diretor da Aymore Financeira, do grupo Santander, outro ponto de destaque na distribuição via intermediários é a conveniência, que estimula vendas. "No nosso mercado principal, que é o financiamento de veículos, o consumidor negocia o crédito quando está comprando o carro e pode sair inclusive com o IPVA financiado", diz. O financiamento de veículos representa 80% da originação da casa, que sempre optou por atuação via intermediários, sem loja de rua.

Os executivos ponderam que o atual modelo de financeira é mais próximo do que se tem em mercados maduros. "As financeiras que pescavam em mar aberto, correndo o risco de pegar tubarão, agora estão no pesqueiro, com clientes previamente selecionados", resume o consultor Boanerges Freire.

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