27 de jun. de 2008

BANCOS JÁ ESTÃO MAIS SELETIVOS

jornal Valor Econômico 23/06/2008 - Fernando Travaglini

Um dos motores do atual ciclo de crescimento econômico, o crédito começa a aparecer como um dos vilões do processo inflacionário. O governo sinalizou preocupação, mas não apresentou até o momento nenhuma medida para conter a expansão dos empréstimos. Os bancos, que não pensam em controle externo, já detectam um aumento do risco e iniciaram um processo, ainda lento, de desaceleração da oferta.

As instituições estão atentas à alta dos riscos associados ao crédito provocados pela elevação dos custos de captação. O fato principal é a preocupação com a inflação, que tem puxado a alta dos juros. Desde abril o Banco Central elevou em 1 ponto percentual a taxa básica e os contratos futuros subiram mais de 2 pontos desde o início do ano.

Nicola Tingas, economista-chefe da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), afirma que nesse cenário a própria "dinâmica do processo" de concessão se encarrega de reduzir a oferta. "Os bancos ficam mais seletivos. Eles avaliam melhor a carteira em termos da capacidade de pagamento, pois o risco de certos clientes aumenta. Eles tentam dirigir os clientes para produtos com menor risco ou prazo mais adequados".

Ele afirma ainda que a demanda por crédito também se reduz. "O próprio cliente, quando vê que o juro está subindo, evita se financiar nesse ciclo e começa a melhorar a gestão de caixa ou a pedir mais prazos para fornecedores, no caso das empresas."

Renato Oliva, vice-presidente da Associação Brasileira de Bancos (ABBC), conta que, de fato, "os bancos estão mais conservadores por conta das expectativas de inflação e do menor crescimento econômico".

Além disso, lembra Oliva, nesse processo de elevação dos juros e de maior volatilidade dos mercados, os custos tendem a se elevar. Para realizar uma operação de empréstimos prefixados, os bancos utilizam como referência as taxas de juros futuros negociados na BM&F, pois realizam operações de proteção (hedge) para reduzir os riscos da variação das taxas ao longo do tempo.

Com as recentes altas da Selic e a crise americana de inadimplência no subprime, as taxas futuras subiram mais de 3,5 pontos desde agosto do ano passado. A atual especulação em torno da inflação e das decisões do Copom fez ainda os juros futuros dispararem nas últimas semanas. "Está mais complicado buscar hedge nessas operações."

O nível de endividamento dos clientes também está no radar. Pesquisa da Febraban divulgada na última semana aponta que 42% das instituições avaliam que existe previsão de aumento de inadimplência para este ano.

Em média, os dados do BC sobre atraso estão em patamares estáveis, mas alguns sinais começam a aparecer. O nível de atraso acima de 90 dias do rotativo do cartão de crédito, por exemplo, atingiu 25%. No crédito pessoal tradicional (que exclui o consignado), a taxa superou os 14% e nos financiamentos de veículos, a inadimplência de 3,4% é a maior desde meados de 2006.

Paulo Isola, diretor do Bradesco, afirma que há de fato preocupações com os prazos muito longos de determinadas linhas, como veículos, e com o fato de os clientes terem elevado o valor dos bens financiados, aproveitando-se da redução da parcela mensal, elevando o comprometimento da renda por um longo período. A inflação também preocupa, pois reduz a renda disponível principalmente nas classes de rendas mais baixas.

Segundo Márcio Percival, vice-presidente da Caixa Econômica Federal, o atual ciclo de crescimento do crédito deve ser mantido, mas ele acredita que "talvez fosse necessário cadenciar um pouco o ritmo do crédito pessoa física para preservar o ciclo".

"Primeiro, é importante não abortar o ciclo do crédito. Dentro desse ciclo, tem que se garantir o crescimento para setores estratégicos, como indústria, habitação, infra-estrutura e rural, ainda mais num momento em que os preços agrícolas estão em alta."

Mas os bancos, de maneira geral, não pensam em medidas "artificiais" para conter o crédito, como limitações dos prazos ou elevação de exigência de capital. Tingas afirma que esse tipo de politica contracionista era feito há algumas décadas e não se tinha o efeito desejado. "A restrição quantitativa era o bojo de uma política monetária clássica ortodoxa. Fora os erros quantitativos e as distorções que provocavam, as medidas comprometiam muito o crescimento por bloquear a disponibilidade de recursos de uma só vez."

Ele avalia que a atual política de metas, que trabalha com as expectativas dos agentes e com uma política gradualista de juros, consegue um ajuste fino para cima ou para baixo. "A política atua não só no custo do credito, mas nas expectativas. Mostra que custo do dinheiro sobe ou que a oferta vai ser mais escassa."

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